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Viva a Universidade viva!
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Professor, artista e pesquisador do doutorado em Letras da UFC

Viva a Universidade viva!

Tipo Opinião
YANDRA BARBOSA
Ex-aluna do professor Lúcio Flávio Gondim, Yandra Barbosa é artista e designer (Foto: Yandra Barbosa)
Foto: Yandra Barbosa YANDRA BARBOSA Ex-aluna do professor Lúcio Flávio Gondim, Yandra Barbosa é artista e designer

A universidade pública brasileira voltou a ocupar com destaque as manchetes e os feeds nacionais desde o anúncio de possível encerramento dos trabalhos da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A primeira universidade do Brasil - este era e ainda é seu codinome - tornou-se símbolo do descaso com que as instituições de ensino superior são tratadas por aqui há anos, há décadas, há séculos... Esta coluna não existiria sem uma universidade; este jornal também não: um país existirá sem ela? Convido um professor universitário e amigo, Atilio Bergamini, para pensar junto mais perguntas e respostas sobre o tema.

Atilio começa refletindo sobre três perspectivas de compreensão da universidade ao longo de nossa história, a partir do olhar do sociólogo Florestan Fernandes. A primeira delas trata a educação universitária como um privilégio reprodutor de outros privilégios. Trata-se, assim, de uma formação diretamente vinculada às elites primeiro administrativas do país colônia, depois as de uma nação "independente". Em ambas, o saber legitima o poder do Estado e mantém o status quo.

Uma segunda perspectiva compreende a educação nas universidades como uma mercadoria, uma tendência cada vez mais presente. Ela foi fortalecida no período da ditadura militar e é preconizada pelo atual governo federal. Aqui, o privilégio de antes está à venda, abrindo um horizonte de privatização do ensino superior que cresce década após década. Registra-se que a existência das universidades particulares pode não ser um problema em si, senão pelo processo de sufocamento que a ênfase dada a elas causa às universidades públicas.

Por fim, Atilio fala de uma terceira visada, a qual entende o ensino superior como uma necessidade social. A Ciência teria como finalidade proteger e curar vidas em um sentido histórico, sociológico, psicológico... Devastada pelo alastramento do capitalismo, a perda dessa visão gera um recuo ou atraso de quase duzentos anos ao reduzir os últimos espaços comunitários em que ainda é possível pensar e agir coletivamente em prol de alguma emancipação. A ameaça à UFRJ se soma a uma série de acontecimentos em toda a nação nos quais a universidade perde um pouco de si e acaba eliminando o presente e o futuro de todas e de todos nós.

Na semana passada, por exemplo, a principal publicação acadêmica da área de Letras em nosso país, a revista Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, anunciou o encerramento definitivo de suas atividades após sessenta e duas edições. Publicada desde 1999, a revista, vinculada à Universidade de Brasília, diz não ter mais possibilidade de obter financiamento, terminando um trabalho de excelência internacional, elaborado sem atrasos ou interrupções até aqui. Poucas coisas são tão sintomáticas de um ocaso acadêmico quanto à mercadorização das próprias revistas de difusão do conhecimento que levam ao fim de uma como essa com louvável Qualis A1.

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Em cada uma de nossas histórias pessoais com a universidade brasileira, entretanto, não faltam mais exemplos desse menosprezo. Lembro de minha primeira grande viagem para fora do Ceará, motivada e financiada por uma bolsa acadêmica, outro alvo de ataques nacionais. Ir ao Rio de Janeiro, para um evento de Literatura na UFRJ, mudaria meus caminhos pessoais e de pesquisa, criando elos e chances de ir e retornar para lá e para outros lugares. Em uma dessas idas, enquanto esperava para fazer uma comunicação oral, contemplei um dos muitos prédios em construção abandonados no campus carioca. Enferrujado e com vigas expostas, ele poderia simbolizar um país.

Também nossa Universidade Federal do Ceará tem seus esquecimentos pelo poder público com obras paradas, baixa de materiais e de funcionários de zeladoria, dentre outros riscos constantes e crescentes. Sobretudo, assim como cada um dos espaços de sonho e resistência - e não de balbúrdia -, guarda matéria-prima para a elaboração de uma nação em que se pode querer ir além do que se é. Nela, temos profissões, identidades, projetos e criamos saídas indispensáveis a crises históricas como, até mesmo, vacinas para tragédias pandêmicas. Para enfrentar tanta morte, enfim, é preciso vida.

Foto do Lúcio Flávio Gondim

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