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Professor, artista e pesquisador do doutorado em Letras da UFC

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Tipo Opinião
Aberlardo Ferreira
Ex-aluno do professor Lúcio Flávio Gondim, Aberlardo Ferreira é ilustrador (Foto: Aberlardo Ferreira)
Foto: Aberlardo Ferreira Aberlardo Ferreira Ex-aluno do professor Lúcio Flávio Gondim, Aberlardo Ferreira é ilustrador

Esta crônica é para te apresentar a uma artista fortalezense, a Fernanda Meireles. Fernanda comprou dois livros meus (andei vendendo uns livros!) e me deu um seu, autopublicado. Trata-se de uma caixa amareloalaranjada com trinta e seis cartões postais feitos de fotografia, escrita e paixão pelas mãos dessa "artista-etc". Eles retratam uma cidade que ela inventou e que tenta nos apresentar por entre muros de "pixo" e esquinas de farmácias. Minha amiga de zap, Fernanda me disse que já não anda por aí fotografando, nem criando esses pequenos quadros para se enviar em cartas, o que faz dessa publicação, lançada em dezembro de 2020, um compilado de uma fase da vida... Um ocaso. Portanto, venha o pôr do sol!

Eu aprendi a ver profunda e internamente os astros durante o confinamento pandêmico. Sobre a lua eu mal consigo falar de tão forte que é o movimento das águas que ela em mim provoca. Sobre o sol, consciência nossa, ainda saem ideias... Dentre elas, a de uma benção diária a qual costumo atentar com mais vigor quando de sua partida. Fortaleza explode em azul, em amarelo, em laranja, em vermelho, em rosa... Tudo isso na minha rua (que, na verdade, é um condomínio - fortalezamente - fechado!). "Rua" poderia ser um pseudônimo de Fernanda Meireles. Andando pela sua obra, a gente vira prédio com lago dentro, calçada silenciosa com protesto, solidão com beijo na boca....

Fernanda, entretanto, é também do sumiço. Já perguntei, já quis saber, já tentei fazer um negócio acolá junto com ela e... Cadê Fernanda? Ela passeia, não se agarra, mas guarda na mente uma lembrança e na mão uma lembrancinha para dar, pois libertariamente cuida. Diz que "possibilidade é uma palavra linda", mas lembra que saudade também é. E dela "ninguém morre porque no fundo é vontade de viver". É preciso muita coragem para sentir; muitas letras para fazer visualizar; muitas imagens para aprender a ler o mundo! Aprendo com Fernanda não apenas porque foi quem me ensinou a palavra (e a prática) "arteeducadora", mas porque atravessou e atravessa fases inúmeras comigo: a do palco, a da sala, a da dor, a do café, a dos livros... Tudo sem ficar. É perdendo que a gente ganha (a) gente.

Em uma caixinha banhada de luz, projetada junto com Rafael Viana, Fernanda nos mostra que há vida lá fora, pois cá dentro há pulsão. As imagens feitas de 2010 a 2017 não a deixam mentir e não nos deixam não sentir. A prática da feitura e venda dos postais, ela conta dentro da publicação, remete ao ano 2000 quando, nos bancos da faculdade, bares e filas de cinema, já vendia suas imagens-palavras. Aliás, qualquer um pode adquiri-las facilmente. Basta procurar a @fernandaealojasemparedes no Instagram e conhecer todo o tipo de produto que, com alguns toques de caneta e coração, transformam-se em obra de arte. Ao comprar ou presentar com eles, você participa de uma aula magna de beira de estrada, vendo o movimento do vento e dos transeuntes de uma cidade que "não é para amadores mas para amantes".

Foi inclusive para Fernanda que eu disse, uma das primeiras vezes na vida, que achava Fortaleza careta, limitada, contrária à mistura... Ao que ela disse: cuidado, Fortaleza também é você! Em um dos postais do seu livro aberto e mundivagante ela acrescenta: "há de haver lugar melhor para viver do que no sonho". Sim, haverá, minha leitora e/ou leitor, "olha comigo para bem longe" e acredita. Se tiver muito, muito difícil, como está para mim agora, faz a ti mesmo a pergunta que um outro postal propõe: "de quantas madrugadas precisamos até aquele amanhecer?". É sempre mais escuro perto de... A gente se levantar e acender uma luz, riscar um fósforo, fazer qualquer gambiarra de céu!

Leia também | Confira mais análises de Lúcio Flávio Gondim sobre arte e educação, exclusivas para leitores do Vida&ArtePor fim, quero contar que conheci Fernanda Meireles na escola, um lugar muito retrógado e limitador que me continha desde a primeira infância. Ela foi a primeira pessoa assumidamente LGBTQIA com quem conversei. Quando, em casa, descobri isso por meio de uma foto sua com uma namorada em uma matéria do O POVO, quase não fui ao dia seguinte do curso de zine. Mas fui. Nunca mais fui o mesmo. Que bom, Fernanda, pois "eu teria passado os recreios com você".

Foto do Lúcio Flávio Gondim

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