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E agora, Enem?
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Professor, artista e pesquisador do doutorado em Letras da UFC

E agora, Enem?

Tipo Análise
Letícia Barros é ilustradora e ex-aluno do professor Lúcio Flávio Gondim    (Foto: Letícia Barros)
Foto: Letícia Barros Letícia Barros é ilustradora e ex-aluno do professor Lúcio Flávio Gondim

A edição de 2021 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) registrou 3.109.762 inscrições confirmadas. Esse é o menor número desde 2005, quando as notas da prova ainda não eram usadas enquanto mecanismo de seleção e ingresso no ensino superior. Os números acontecem durante o apagão educacional provocado pela pandemia do novo coronavírus, no entanto jogam luzes em questões anteriores à nossa atual crise sanitária, econômica, social... Na coluna de hoje, um colega professor junto a um ex-aluno e atual amigo, ambos profundamente vinculados ao vestibular brasileiro, discutem-no conosco. O professor de História da rede pública cearense Matheus Inocêncio começa a nossa reflexão em uma perspectiva panorâmica:

"O Enem, criado em 1998, surge no bojo da organização do sistema educacional brasileiro após a Constituição de 1988, que gerou também a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e os Parâmetros Curriculares Nacionais, por exemplo. A ideia inicial era avaliar em larga escala o desempenho dos concludentes da última etapa da educação básica, o Ensino Médio. Com poucas alterações, esse momento é o que podemos chamar de primeira fase do Enem.

O Enem foi tomando novas feições com o Governo Lula, funcionando como a grande porta de entrada para o Ensino Superior, área que recebeu três grandes políticas públicas federais: o ProUni, que concede bolsas de estudo em instituições privadas; o FIES, que financia as mensalidades em instituições privadas; e a expansão das vagas em universidades e institutos federais. O marco do "novo" Enem é o ano de 2009, quando as provas foram redefinidas no modelo vigente até hoje. O certame passou a ser literalmente a porta de entrada para o ensino superior.

Não foram poucos aqueles que se tornaram os primeiros de suas famílias em universidades. Eles fizeram o Enem. Com todas as contradições e críticas, o Exame indiscutivelmente permitiu que sujeitos historicamente alheios ao ambiente universitário lá entrassem. A prova, com brilhante auxílio dos Correios, chega aos rincões do país, algo inconcebível para a logística dos antigos vestibulares. O Enem como política pública não pode ser entendido fora da conjuntura política.

Já durante o segundo Governo Dilma Rousseff, a taxa de inscrição sofreu seu primeiro aumento em 15 anos, subindo de R$ 35 para R$ 63. Nos anos seguintes, durante o Governo Michel Temer, os preços continuaram a subir. Desde 2019, a inscrição custa R$ 85. Os aumentos na taxa de inscrição são uma metonímia da atual fase do Enem. O Enem não pode ser visto descolado dos projetos federais de ensino superior.

Desde 2015, o FIES sofre sucessivas crises, as bolsas do PROUNI reduziram e as universidades e institutos federais enfrentam redução no orçamento com ameaças reais de paralisação de atividades. A redução do número de inscritos e isentos, que atingiu recorde em 2021, reflete a prioridade do Governo Federal, hoje sob comando de Jair Bolsonaro, para a educação. O sonho do diploma de ensino superior parece bem mais difícil do que em 2009 e a crise do Enem é a crise de um país que não coloca educação na ordem do dia."

Já do ponto de vista estudantil, Erick Pessoa, participante da última edição do Enem, ressalta a problemática emocional. Para ele, a insegurança, a ansiedade, o medo da contaminação pelo vírus e outros transtornos psicológicos inviabilizaram uma plena participação dos estudantes no certame. Soma-se a isso o aspecto econômico que tira o foco da busca por um futuro próspero e coloca-o na emergência de um tempo de aumento de preços, falta de empregos e vulnerabilidades diversas. Para ele, os problemas são reflexos da má gestão de verbas que não foram aplicadas de modo a promover a educação de jovens menos favorecidos financeiramente. Esse montante poderia ter sido aplicado em auxílios estudantis para alunos, além de imediata entrega de chips com internet, aparelhos como tablets e celulares para o acesso a conteúdos educacionais.

Para pensar o presente e o futuro do Enem, será preciso uma coordenação em todos os níveis da federação. Além de um planejamento intenso para recuperação da aprendizagem, dificultada em tempos pandêmicos, será preciso reaver a crença do ensino superior como forma de avanço social. Entretanto, isso somente se dará quando entidades, gestores e a própria Academia olharem para outras formas de resistir e de viver que crescem durante o caos para, assim, responder ao que pode a busca pelo Amanhã diante da demanda pelo Agora.

Foto do Lúcio Flávio Gondim

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