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Ideias para adiar o fim dos povos
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Professor, artista e pesquisador do doutorado em Letras da UFC

Ideias para adiar o fim dos povos

Tipo Opinião
Ex-aluno do professor Lúcio Flávio Gondim, Thierry Pereira ilustra a coluna de hoje (Foto: Thierry Pereira)
Foto: Thierry Pereira Ex-aluno do professor Lúcio Flávio Gondim, Thierry Pereira ilustra a coluna de hoje

Os povos originários do Brasil ganham novo destaque coletivo em tempos de discussão sobre o marco temporal (que ameaça o direito às terras indígenas) e de uma crescente crise ambiental que faz repensar o modo como nos relacionamos com a natureza (ainda de uma forma equivocada, como alteridade, e não como parte de nós mesmos). Nas escolas, a pauta indígena, incluindo sua história de luta e resistência contra o etnocídio e o genocídio persistetes, jamais deveria sair de discussão. Mas, no geral, ela está presente apenas em alguns momentos, seja nas disciplinas de História, Literatura, Geografia ou Artes, seja em dias "folclóricos", como o "Dia do Índio". Vozes indígenas como as de Márcia Wayna Kambeba, Daniel Munduruku e Denilson Baniwa continuam alertando sobre os estereótipos negativos que a palavra "índio" reproduz em muitas ocasiões, invisibilizando a multiplicidade de modos de vida e culturas indígenas. Para falar sobre possibilidades e limitações da discussão sobre os povos originários, especialmente na área da Educação, convido para esta coluna a professora Suene Honorato, da Universidade Federal do Ceará.

Ao pensar sobre essa urgência contemporânea, Suene explicita que não é desejável fazer uma defesa utilitarista dos povos indígenas ao tratá-los como aqueles que têm a solução para a crise ambiental provocada pelos não-indígenas. É necessário defender o direito radical à vida dos povos e indivíduos, sem que essa defesa seja vinculada a uma "função" na sociedade capitalista. Como diz Ailton Krenak já no título do seu livro: "a vida não é útil". A professora acredita que uma mudança começa a acontecer na própria formação das professoras e professores que hoje (re)descobrem com entusiasmo a cultura e as literaturas indígenas. Esse estímulo é fruto das lutas dos movimentos indígenas que conseguiram, por exemplo, a criação da Lei 11.645, de 10 de março de 2008, que institui a obrigatoriedade de se trabalhar no ensino básico com a temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena". A temática foi incluída na Educação Infantil e no Ensino Fundamental por meio da aprovação da Base Nacional Comum Curricular - BNCC.

É fundamental quebrar estereótipos já que, segundo Suene Honorato, o grande desafio é estarmos sendo doutrinados há quinhentos anos para naturalizar uma hierarquia étnico-racial que justifica a exploração de povos e culturas. As marcas dessa doutrinação persistem e são renovadas atualmente, por exemplo, com o preconceito em relação à literatura indígena, considerada por quem a desconhece como inferior à chamada literatura canonizada; ou com a ideia de que o indígena que vive nos centros urbanos teria deixado de ser "índio". Ely Macuxi, levado pela covid-19 em 2020, usava o termo "urbaíndios" para se contrapor a essa ideia, pois "a etnicidade não se reduz ao aspecto da espacialidade". Suene ressalta que o preconceito em relação aos indígenas — assim como racismo, machismo e outras violências factuais e simbólicas — está presente em toda a sociedade, independentemente da classe social ou nível de formação escolar dos indivíduos.

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Para a professora, desde a década de 1980 o movimento indígena vem se fortalecendo. Prova disso é o aumento do número de artistas, ativistas e pesquisadores/as indígenas e a existência de livrarias especializadas e catálogos de obras escritas por indígenas no Brasil. O acesso a esse acervo, porém, ainda não é suficiente. É preciso, diz Suene, que a Lei 11.645 seja cumprida por vários setores sociais e que faça efeito nas universidades, para que cheguem às escolas profissionais qualificados/as e dispostos/as a lidar com a temática indígena.

Nas instituições escolares, as possibilidades de trabalho sobre o tema são múltiplas. Cito como exemplo um projeto de extensão que tive o prazer de acompanhar como aluno da UFC: o "Cine Descoberta", realizado de 2017 a 2020 por um grupo de estudantes e coordenado pela professora Suene, em que filmes de autoria e temática indígenas eram exibidos e debatidos na universidade e nas escolas. Essa presença íntima dos povos originários nas salas de aulas é fundamental para nossas e nossos estudantes, segundo a professora, como contraposição à ideia de que a cultura indígena é uma "herança", e como evidência da pluralidade de modos de ser indígena no passado, no presente e no futuro.

Assim, conheceremos sem susto nomes como o da cearense Auritha Tabajara, mulher lésbica e primeira indígena com livros publicados em cordel no Brasil; efetivaremos a prece do poema do artista visual e curador Denilson Baniwa: "livre-os do desconhecimento e do preconceito que os fazem acreditar que ainda somos os indígenas de 1500. /Amém!"; e entenderemos, com práticas efetivas de nossa parte, o que diz o verso de Márcia Wayna Kambeba: "Posso ser quem tu és/Sem perder a essência do que sou".

Thierry Pereira

Ex-aluno do professor Lúcio Flávio Gondim, Thierry Pereira ilustra a coluna "Educação e arte" de hoje

Foto do Lúcio Flávio Gondim

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