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"Quando dezembro inflama a alma"
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Líder classista, empresário do setor de farmácias, é diretor da Confederação Nacional do Comércio (CNC) desde 2018

"Quando dezembro inflama a alma"

Dezembrite não é fraqueza e, se ouvirmos com atenção, percebemos que o ano não termina melhor porque fizemos mais, mas porque entendemos, finalmente, o que nos inflamou — e o que precisamos desinflamar
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Todo ano, quando dezembro chega, o ar parece ganhar um peso que não vem do calor, mas de dentro. É como se o mês trouxesse uma luz mais forte, capaz de iluminar cantos que passamos o ano inteiro tentando não ver. Chamam isso de “dezembrite”, essa inflamação silenciosa que visita muita gente quando o calendário está por terminar. E, de repente, o que era só cansaço vira angústia, o que era só rotina vira correria, o que era só expectativa vira comparação.

Como farmacêutico, passo o ano escutando relatos de inflamações do corpo — dor nas costas, gastrites, articulações que reclamam da pressa do mundo. Cada pessoa chega com sua receita, sua queixa, seu pedido urgente de alívio.

Mas é em dezembro que percebo um tipo diferente de inflamação, que não aparece nos exames e não cede com anti-inflamatório. É aquela que arde na alma. A fala fica curta, o olhar se perde um pouco, e a frase que mais ouço é: “Esse ano foi pesado…”

Dezembro é, de certo modo, uma radiografia emocional. Ele mostra o que fizemos, o que adiamos, o que perdemos, o que gostaríamos de ter vivido. E não raro nos vemos ali, diante do reflexo, medindo silêncios, contabilizando ausências, negociando uma alegria que parece obrigatória. As luzes piscam, mas dentro da gente às vezes é noite.

A virada vem quando entendemos que dezembro não está nos cobrando — está nos revelando. Como um médico que palpa uma área sensível para identificar onde dói, o mês de dezembro toca exatamente o ponto que evitamos o ano inteiro. E talvez seja essa sua maior sabedoria: lembrar que ciclos só se encerram de verdade quando conseguimos respirar dentro deles.

O tratamento, então, não é acelerar mais — é desacelerar. É escolher o essencial. É aceitar que algumas metas não foram cumpridas porque a vida tinha outras prioridades. É admitir que não precisamos estar radiantes para merecer as festas. Dezembro não exige brilho: exige verdade. E há beleza em quem chega ao fim do ano com o cansaço honesto de quem lutou o que podia.

A revelação final é simples e profunda: dezembrite não é fraqueza. É diagnóstico. O corpo fala, a alma também. E, se ouvirmos com atenção, percebemos que o ano não termina melhor porque fizemos mais, mas porque entendemos, finalmente, o que nos inflamou — e o que precisamos desinflamar.

Quando a alma encontra repouso, o novo ano não entra empurrando a porta. Entra devagar, como quem chega em casa depois de um longo caminho, trazendo a leveza que só existe quando a dor, enfim, foi reconhecida. E tratada.

Foto do Maurício Filizola

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