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99 anos de vida
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Neivia Justa, jornalista, empreendedora, palestrante, mentora, professora, fundadora e líder da JustaCausa, com 30 anos de experiência como líder de Comunicação, Cultura, Diversidade, Equidade e Inclusão em empresas como Natura, GE, Goodyear e J&J. Criadora do programa #LíderComNeivia e dos movimentos #OndeEstãoAsMulheres e #AquiEstãoAsMulheres, foi a vencedora do Troféu Mulher Imprensa e do Prêmio Aberje 2017 e, em 2018, foi eleita uma das Top Voices do Linkedin Brasil.

99 anos de vida

Em sua estreia no OP+, colunista celebra o aniversário da vó, Arsênia, recuperando sua trajetória de lutas e conquistas desde o nascimento em Santa Quitéria até os dias atuais

Ela nasceu em Santa Quitéria, município do interior do Ceará, em 18 de julho de 1922, filha de Raimundo e Maria Aracy Martins. Em janeiro de 1940, casou-se com Francisco de Assis Parente e teve seu primeiro parto nove meses depois.

Enquanto o mundo vivia a 2ª guerra mundial, a adolescente de 18 anos viveu a dor de perder sua primeira filha. Naquele tempo, não havia anticoncepcionais e as múltiplas gestações eram a realidade das jovens mulheres brasileiras cujo destino já era traçado ao nascer: seriam belas e recatadas esposas, mães e rainhas do lar.

E assim caminhou a vida da jovem cearense: ela passou pouco mais das suas primeiras duas décadas de vida adulta sendo mãe serial, doando seu corpo, seu tempo e sua energia para ser a primeira casa de seus 12 filhos, quatro mulheres e oito homens.

Não havia testes de gravidez e cada nova gestação era descoberta quando ela não tinha mais leite para amamentar o bebê que carregava nos braços. E assim, entre 1941 e 1962, enquanto o Brasil vivia a Era Vargas e os governos de Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart, nasceram Armênia, Erivan, Aracy, Naira, Zuleide, Antônio, Francisco, Raimundo, João, Sávio, Mardo e Reginaldo.

Entre uma gravidez e outra ela ainda cumpria com maestria seus papéis de esposa de empresário, fazendeiro e prefeito, filha, irmã, cunhada, nora e tia zelosa. Cozinhava, costurava, bordava e fazia tricô e croché como ninguém.

Sua casa estava sempre de portas abertas e a mesa imensa e farta, sempre posta, para quem chegasse. Nunca haverá um doce de mamão verde mais saboroso que o dela. Nem netos com coleções de roupas mais exclusivas, feitas sob medida por uma avó amorosa, durante as férias escolares.

Seis meses depois das suas bodas de ouro, em agosto de 1990, mal tendo completado 68 anos, ela ficou viúva e teve que aprender a viver sem o seu “nêgo”. Amparada por sua imensa família ela seguiu tocando em frente. De lá para cá, já viu partirem seus quatro irmãos, duas irmãs, quatro cunhadas, três cunhados, uma nora e um genro. Em 2007, teve que enfrentar a perda súbita de um filho que tinha tão somente 50 anos.

Apesar de tantas perdas, dentro daquela senhora pequenina, magrinha e tão aparentemente frágil emana a força de uma mulher que aprendeu a conviver e a controlar a hipertensão arterial antes dos 40 anos e seguiu caminhando firme e altiva mesmo depois de um fêmur quebrado e uma trombose que quase lhe tirou o pé esquerdo, há nove anos.

Ontem, minha avó Arsênia completou 99 anos. A pandemia nos impediu de fazer a festa que gostaríamos, mas jamais a oportunidade de celebrarmos a vida dela. Nos dividimos em turnos, de máscara (segundo ela, aquele “pano véio”), sem beijos nem abraços, para estar com ela. Porque a vida acontece aqui e agora.

Em 2004, no batizado da minha primeira filha, ela me prometeu que estaria conosco na festa de 15 anos. E fez a mesma promessa no batizado da minha segunda filha, em 2006. Mulher de palavra, ela cumpriu lindamente sua promessa: ontem eu, Luiza, 17, e Julia, 15, curtimos cada minuto ao lado da “bisa”.

Ela já não nos escuta nem nos reconhece como antigamente. Sua memória navega livremente sem noções claras de tempo e espaço, mas ela sabe que nós a amamos profunda e infinitamente.

E nós seguiremos nos nutrindo com cada momento, cada sorriso, cada olhar, cada gesto, cada brincadeira, cada lembrança que ainda pudermos viver com ela. Porque, como diz a letra da música, “o que se leva dessa vida coração é o amor que a gente tem pra dar.”

 

Foto do Neivia Justa

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