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Túlio e sua mãe, uma história de amor
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Nello Rangel é psicólogo, arte-terapeuta, consultor e um apaixonado pela literatura de Guimarães Rosa

Nello Rangel comportamento

Túlio e sua mãe, uma história de amor

Como a gratidão é capaz de preencher o sentimento de perda entre pessoas que se amam.
Tipo Análise
Tulio e sua mãe, ilustração de Nello Rangel (Foto: Acervo do Autor )
Foto: Acervo do Autor Tulio e sua mãe, ilustração de Nello Rangel

Nem sei explicar direito o impacto que a consulta com Túlio me causou.

Estava diante de mim um jovem de 29 anos completamente destruído. Nem sei como ele deu conta de vir para a primeira consulta. Deve ter sido arrastado por algum amigo ou parente. E, como estava em choque, consentiu.

Havia perdido a mãe. Ela sentiu-se mal, foi internada e faleceu dois dias depois, de uma rara e ainda incompreendida doença. Era muito jovem, tinha 50 e poucos anos.

E não era uma mãe qualquer. Nunca vi uma relação de amor tão clara, intensa, bonita. Mãe e filho davam-se muitíssimo bem. Brigavam, ambos de forte temperamento, mas mesmo nas brigas o afeto entre os dois sequer se arranhava.

Ele era filho único, o pai não o assumiu. A família da mãe se distanciou quando ela engravidou. E ela o criou sozinha. Tiveram no início muitas dificuldades, mas ela, lutadora, cresceu muito profissionalmente e já há um bom tempo levavam uma vida tranquila e resolvida financeiramente.

E os dois se amavam. E como!

“Eu não consigo dizer o que sinto pela minha mãe. E sei que ela sente o mesmo por mim (Durante meses Túlio citava a mãe, nas consultas, como se ela ainda estivesse viva.). Não dá para explicar direito. Amo minha namorada. Sei que vou amar meus filhos. Mas não acredito que vá se comparar. Nunca senti por ninguém o que eu sinto pela minha mãe. Até nossas brigas são diferentes. Nunca ficamos magoados um com o outro. Entendo agora que tem gente que faz besteira numa hora como essa. Se mata. Meu sofrimento é tão desesperador. Quem não tem fé se mata mesmo, numa hora como essa.”

 

"Nunca vi uma história de amor tão bonita! Você tem que agradecer demais, ter tido uma mãe tão maravilhosa e ter sabido como retribuir, devolver, conviver tão bem com ela. Que coisa linda foi a relação de vocês." Nello Rangel, arte-terapeuta

 

E ele foi falando. E eu em silêncio. Quase não disse nada. Foi provavelmente a consulta na qual menos falei, em toda minha história de consultório.

Foram duas horas de atendimento e ele descrevendo sua dor mas, principalmente, seu amor por sua mãe. Em vários momentos ele se emocionava muito. Fiquei profundamente tocado com sua história. Também tive minhas perdas.

Já pertinho do fim do horário eu o interrompi. E perguntei:

- Você já agradeceu?

Anos depois ele me contou que pensou: ”Vou rachar esse homem ao meio”. Dizia isso às vezes, quando tinha raiva de alguém, fazendo um gesto de karatê com a mão espalmada que gelava a espinha de qualquer um. Ele é um homem grande. Mas, talvez por sentir que eu também estava emocionado com o que ele me disse, me concedeu o benefício da dúvida e, antes de executar o veredito do golpe fatal, perguntou:

- Agradecer o quê?!

- Agradecer ter tido uma mãe como essa. Agradecer a beleza do amor que vocês conseguiram juntos. Agradecer os 29 anos que esteve convivendo com uma pessoa tão maravilhosa. Nunca vi uma história de amor tão bonita! Você tem que agradecer demais, ter tido uma mãe tão maravilhosa e ter sabido como retribuir, devolver, conviver tão bem com ela. Que coisa linda foi a relação de vocês.

Não apanhei. E dois anos mais tarde Túlio me perguntou se eu me lembrava de nossa primeira consulta.

- E tem como esquecer?

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