
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Paulo Sérgio Bessa Linhares é um antropólogo, doutor em sociologia, jornalista e professor cearense
Como combater o fascismo
Belchior cantava "não quero lhe falar meu grande amor das coisas que aprendi nos livros. Quero lhe falar o que vivi e tudo que aconteceu comigo".
Desculpe Antonio Carlos Fernandes Fontenele Belchior (ele adorava dizer um nome imenso que, segundo ele, era o seu completo) não consigo.
Não sei separar o que vivi e as coisas que aprendi nos livros.
Na terça, numa dessas padarias da cidade, um riquinho vociferava contra os Anacés, que tinham fechado a rodovia que leva ao Pecém em protesto contra o marco temporal.
Cinco ou seis índios com celulares nos calções fecham a principal rodovia que leva a riqueza do Ceará. Um absurdo. Gritava o reaça.
Lembrei-me de um texto que tinha acabado de ler no Le Nouvel Observateur, onde Emmanuel Macron encurralou sua primeira-ministra a respeito das formas de combater a extrema direita.
O combate contra a extrema direita não passa por argumentos morais. É preciso descredibilizar a extrema direita pelo concreto, mais do que por posturas morais ou palavras dos anos 90 que não funcionam mais. Você não vai conseguir fazer crer milhões de franceses, que votaram na extrema direita, que eles são todos fascistas", disse Macron para sua primeira-ministra, Elisabeth Borne.
A irritação de Macron era com a forma que a sua primeira-ministra tinha atacado o grupo de extrema direita que hoje é a segunda força política do país e perdeu por pouco a presidência (o Rassemblement National-RN).
Elisabeth Borne tinha dito que o RN era herdeiro de Philippe Pétain, chefe do regime colaboracionista com os nazistas, durante a Segunda Guerra.
A melhor maneira de combater a extrema direita é enfatizando a incompetência e amadorismo de suas propostas, argumentou Macron.
As ideias do presidente francês caem como uma luva para o Brasil, onde a população é majoritariamente conservadora do ponto de vista dos valores. Macron, que às vezes parece um executivo financeiro a serviço dos bancos, foi aluno e assistente do maior filósofo hermeneuta da França, Paul Ricoeur. Portanto, não é um frasista qualquer. O problema é que não dá para atacar amadores e incompetentes políticos quem padece dos mesmos males. A recepção que Lula fez a Maduro, pouco antes da cúpula do Sul, foi digna da velha esquerda. E o discurso de Lula de que os ataques a Maduro são apenas narrativas não se sustenta. Boric, do alto de seus 37 anos, liquidou a fatura:
"Não é uma construção narrativa, é uma realidade, é séria, e tive a oportunidade de vê-la de perto nos rostos e na dor de centenas de milhares de venezuelanos que, hoje, vieram para nossa pátria e que exigem também uma posição firme e clara de que os direitos humanos devem ser respeitados sempre e em qualquer lugar, independente da coloração política do atual governante".
Anatomia do
dinheiro em succession
Uma amiga me liga e fala horas sobre o último capítulo de uma série. Nada de novo.
Todo mundo só fala na série que, estranhamente, fez mais sucesso no Brasil do que em qualquer lugar do mundo.
O psicanalista Chris Dunker fez algumas observações originais sobre essa série Succession, criada por Jesse Armstrong (HBO, 2018-2023).
"O que há de novo nesta volta do parafuso dos ricos é que eles dispensam qualquer necessidade de justificar culturalmente sua própria condição. Suas infantilices toscas, seu uso errático do consumo de luxo, seu desprezo pela sabedoria dos conselheiros e seu excesso de preocupação com o poço infinito do próprio narcisismo não demandam nenhum futuro diferente, apenas mais do mesmo e, no fim, o apocalipse sem sonho, descrito por Mike Davis. Talvez isso explique o ódio do Logan Roy por seus filhos, ou seja, eles não conseguem entender o sentido de uma vida feita de superação, cheia de obstáculos, negociações de contrariedades e interesses, de sacrifícios ponderados".
Óbvio que os muito ricos não precisam justificar mais sua condição e privilégios. A boa sociologia mostrou que eles criaram formas de fazer com que essas justificativas sejam difundidas hoje pela classe média e até mesmo pelos pobres. A meritocracia e a defesa da escravidão (hoje sob a forma do trabalho precarizado) são um exemplo disso. Basta ver o que dizem os entregadores de ifood e os ubers.
Os três ciclos de poder
do Ceará contemporâneo: o Tassismo, o Cirismo
e o Camilismo.
Por falar em ubers, os motoristas que me levam e trazem para dar aulas no Pici têm clareza política de que vivemos um terceiro ciclo: o Camilismo.
O primeiro, seriam os anos Tasso, que eles não entendem muito bem. O segundo, seriam os anos Ciro, que eles criticam sem dó nem piedade. E o terceiro seria o Camilismo, que eles adoram.
Sei bem que taxistas são um termômetro muito aquecido da realidade. Mas escutá-los, e a partir das suas opiniões fazer análises políticas, é como bisbilhotar pesquisas qualitativas.
Sempre gostei de assistir qualitativas. tenho mais tempo de qualitativas que de partidas do meu triste Ceará Sporting (exagero).
Os últimos três motoristas que opinaram sobre política eram evangélicos e bolsonaristas. E também, bingo, Camilistas.
O último que me transportou, num gol já meio capenga, argumentou como se juntava a religião evangélica, o bolsonarismo e Camilo pelo fato que ele tinha sido muito corajoso na época da pandemia enfrentando os poderosos.
Utilizando técnicas de mediação - onde se testa a força argumentativa contrária - disse que o ex-secretário Cabeto é que tinha sido o defensor dos lockdown e que Camilo na verdade tinha sido voto vencido.
-É a imagem que tenho dele, argumentou, meio como menino que lhe tiram um brinquedo lúdico.
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