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Rua sem saída
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Escreveu livros de literatura fantástica e de contos, como

Rua sem saída

Tipo Crônica

Cresci numa ruazinha sem saída, apenas uma quadra de casas quase ao final da rua mais movimentada do Alto das Pedrinhas, que descambava naquele ramal de escape; alguns desavisados em carros e bicicletas assim que entravam, já estancavam e voltavam balançando cabeças. Um dia um bêbado teimou em ir até o final, como se não acreditasse que se metera na via errada: de lá olhou para trás, retornou decepcionado, mas mesmo assim na metade do trajeto ainda virou o rosto umas três vezes pra conferir se realmente não havia passagem.

Meu primo Flávio foi o primeiro a perceber que nas noites de lua muitos eram os passantes que por ela seguiam e não retornavam, notou quando foi (por preguiça e medo de ir ao banheiro no fundo do quintal) urinar no terreiro da frente... De início não achou nada estranho naquele cortejo em direção ao final da ruazinha, mas se assustou - tempos depois - quando, em meio a uma conversa conosco já bem tarde da noite, elogiávamos a tranquilidade da vizinhança, com certeza beneficiado pela falta de ligação com outras passagens da cidade.

De repente nos contou de suas visões, provocando um burburinho de admiração e também alguns risos incrédulos dos outros primos... E até já duvidava de si quando foi socorrido pela tia Helena, que contou que há muito tempo ali era passagem para os roçados nas terras do seu Antônio Elias. Nunca mais falamos no assunto, mas evitávamos a todo custo sair à calçada depois que as luzes de casas eram apagadas.

Não demorou muito para todos se esquecerem da história dos passantes da rua sem saída, até porque tempos depois a pequena ruela seguiu mato adentro para se encontrar com uma estrada de terra que ligava a casa do Sr Antônio Elias ao bairro Praça 11.

Mas mesmo quando, 40 anos depois, visito a velha casinha da infância ainda olho com desconfiança e medo para o final, que não mais existe, da rua.

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Beco do Tio Quinô

Quem descambava, rumos aos Pereiros (bairro que terminava no prédio da cadeia pública de um lado e de um imenso cruzeiro de madeira do outro), para os lados do Cuandu e olhava para a direita avistava o beco do "tio" Quinô, ruelinha sem saída onde moravam o dito senhorzinho e seus parentes mais próximos: família numerosa que habitava desde sempre naquele braço de rua.

Contam os mais velhos que seu Quinô era um sujeito do bem, muito trabalhador, mas que era chegado a uma pilhéria, adorava contar histórias absurdas em meio aos risos de galhofas muito apreciados pelos vizinhos... E, das muitas histórias fantasiosas que ele criava, uma que se perpetuou no tempo, de que no pé de pereiro defronte sua casa, no galho mais alto, havia um ninho de cururu. Afirmava entre risos e ainda apontava para o cume da árvore, seguido pelos olhos curiosos dos ouvintes.

O causo se espalhou e, de tão famoso, passou a ser sinônimo de mentira pelo povo de Tamboril da época, a ponto de até hoje - se um conterrâneo flagra o outro em pilhérias absurdas - ainda se defende estendendo a mão e proferindo a frase: "A benção, tio Quinô!".

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