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"Cearense vaia até o Sol" — Veja a reportagem do O POVO que deu origem à expressão
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Plínio Bortolotti integra do Conselho Editorial do O POVO e participa de sua equipe de editorialistas. Mantém esta coluna, é comentarista e debatedor na rádio O POVO/CBN. Também coordenada curso Novos Talentos, de treinamento em Jornalismo. Foi ombudsman do jornal por três mandatos (2005/2007). Pós-graduado (especialização) em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

"Cearense vaia até o Sol" — Veja a reportagem do O POVO que deu origem à expressão

Página do O POVO com o relato original da vaia ao sol, em janeiro de 1942 (Foto: O POVO.Doc)
Foto: O POVO.Doc Página do O POVO com o relato original da vaia ao sol, em janeiro de 1942

De todos é bem conhecida a expressão “cearense vaia até o Sol”, mas poucos sabem como ela surgiu. Pois neste 31 de janeiro completam-se 79 anos de nascimento deste verdadeiro slogam a homenagear essa característica cearense, um povo que não abre nem por trem, e manga até da autoridade do astro-rei. Além do mais, a vaia cearense é única, diferente do conhecido “uuuuuuu” de todos os outros povos, de norte a sul, de leste a oeste desse mundão.

Como é?
Se você ainda não conhece a vaia cearense, ela é parecida com alguma coisa assim: “iééééééé”, porém é indescritível e inescrevível, mas é reproruzível por quem tem talento (mesmo que não seja cearense).

Concurso
Se você quer algumas lições sobre o assunto, sugiro visitar o Instagram do Tarcísio Matos, colunista do O POVO para o humor e outras fuleiragens, e foi quem me lembrou dessa data magna. A propósito, Tarcísio está promovendo um concurso de coronavaia, como já fizera antes com a vaia cearense, pura e simples.

Sim, mas como foi mesmo que surgiu o mito (esse verdadeiro) que cearense vaia até o Sol?

Foi em uma reportagem do O POVO, na edição de 31 de janeiro de 1942. Um repórter, indo para a sede do jornal, que na época era nas imediações da Praça do Ferreira, flagrou o momento em que o canelau aglomerou-se para vaiar o Sol, que expulsara a chuva, a alegria de qualquer cearense.

Internet
Observem como o repórter escreve “hoje” e não “ontem”, pois na época os jornais circulavam no mesmo dia em que eram impressos, em mais de uma edição. Isso antes da internet. Para vocês verem que não existe nada de novo sob o Sol. ;)

Botequins
Uma pena que o relato, publicado na primeira página do jornal, não tenha sido assinado. Seria interessante saber o autor de tão precioso texto que, de quebra, ainda observa o movimento dos papudinhos nos botequins.

A propósito, alguém sabe que música de carnaval ele cita no trecho: “Mas não foi preciso nenhum ‘memorandum’ da Central para desculpas, como na canção carnavalesca”.

Dei uma pesquisada e não encontrei nada sobre a música.*

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REPRODUÇÃO
JORNAL O POVO - EDIÇÃO DE 31 DE JANEIRO DE 1942

O SOL RECEBEU TREMENDA VAIA

Muito cedo hoje Fortaleza recebeu um um batismo salutar, numa demonstração auspiciosa da chegada do inverno. O inverno é a alegria de todos, porque o inverno é a vida do Ceará, é a restauração da terra comburida é a verdura dos campos, é a bonança, enfim, para todo o Estado.

Apesar do impedimento de sair de casa a que foi submetida muita gente, pode-se notar nas fisionomias de todos a alegria espontânea que a chuva matinal de hoje provocava. Algumas casas abriram mais tarde e o repórter d'O POVO chegou atrasado à redação. Mas não foi preciso nenhum "memorandum” da Central para desculpas, como na canção carnavalesca. A chuva forte era mais que suficiente para justificar o atraso.

Página do O POVO com o relato original da vaia ao sol, em janeiro de 1942
Foto: O POVO.Doc
Página do O POVO com o relato original da vaia ao sol, em janeiro de 1942

Um fato curioso presenciou o repórter quando, esgueirando-se pelas calçadas molhadas, procurava atingir o “setor" da redação d'O POVO. Um grupo numeroso de pessoas, logo depois da passagem da chuva, se aglomerava em certo trecho da rua, usualmente bem movimentada.

Quando o sol, tão bravo nesses últimos dias, ia conseguindo varar as grossas nuvens, lá no alto, num esforço desesperado para aparecer, os alegres circunstante, olhando para o alto e apontando, começaram uma demonstração estrondosa, vaiando o astro vencido e apagado, naquele momento, num grito uníssono de várias bocas. Mas afinal o velho Rei das alturas venceu, botando todo o corpo vermelho para fora nas nuvens e dispersando os vaiadores.

Grande movimento nos botequins
Outro fato que chamou a atenção do repórter foi a afluência enorme de fregueses nos botequins das imediações da Praça do Ferreira. A concorrência era grande e a venda de “mata frio” talvez tenha sido maior. A “branquinha”, dizem, serve para tudo: para aplacar o calor e a tristeza, para matar o frio e outra porção de cousas desagradáveis.

O certo, porém, é que na manhã de hoje, por causa da chuva, ela teve uma grande procura. A chegada do Inverno, realmente,é um belo pretexto para as pessoas que gostam de começar o dia “molhando a guela” Foi o que eles fizeram hoje. (Edição de 31 de janeiro de 1942)
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PS. Essa coluna é dedicada a temas da atualidade, mas abriu essa exceção mais do que justificada.

* O leitor Frederico Martins, farmacêutica e advogado em Canindé, pesquisou e me escreveu no Twitter esclarecendo: "A canção é 'O trem atrasou', gravada em 1941 e regravada por Nara Leão em 1965. Relata os costumeiros atrasos dos trens cariocas, que eram justificados aos patrões pelos memorandos emitidos pela central". Segundo o Museu da Canção, a autoria da música é de Franciscon da Silva Fárrea Jr. (Paquito), Estanislau Silva e Arthur Vilarinho.

Foto do Plínio Bortolotti

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