Arthur Lira (PP-AL) é o novo presidente da Câmara dos deputados. Candidato apoiado por Jair Bolsonaro, ele derrotou Baleia Rossi (MDB-SP), preferido pelo atual presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ). A sorte de Baleia (e de Maia) foi selada quando o DEM, presidido pelo prefeito de Salvador ACM Neto, liberou a bancada na votação. No Senado, foi eleito Rodrigo Pacheco (DEM-MG), também apoiado por Bolsonaro.
Casamento
Com esse casamento entre o presidente da República e o Centrão — Lira é o líder do ajuntamento — Bolsonaro joga no lixo seu mais fulgurante compromisso de campanha: governar sem o famoso tomaladacá, mantendo distância da “velha política”, cujo maior representante era o Centrão, visto como a origem de todos os males, um antro de ladroagem e corrupção, pelo menos à vista do correligionário número zero do chefe do Executivo, o general Augusto Heleno, atualmente chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
Em julho de 2018, em uma convenção do PSL (pelo qual Bolsonaro disputou as eleições e depois chutou o partido), o general Heleno fez o seguinte discurso:
“Querem reunir todos aqueles que precisam escapar das barras da lei em um só núcleo, quanto maior melhor, mais eles vão se proteger. E daí surgiu esse Centrão.”
Alguém no auditório grita "lixão", o general retorna:
“É que lixão não dá porque está proibindo, né, pela lei de meio ambiente. Mudou de nome, não pode mais ter lixão (aplausos). Então é Centrão. O Centrão é também a materialização da impunidade. O Centrão vai lutar pela impunidade, vai apresentar, como sempre, um programa de governo cheio de mentiras”. E completou, dizendo que pela primeira vez na vida cantaria alguma coisa que não fosse um “hino pátrio”. E lascou:
“Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão..” (Risos e aplausos.)
A paródia refere-se à música "Reunião de bacana", de Ari Alves de Souza, o Ary do Cavaco, em parceria com Alberto Di São João, cujo refrão diz o seguinte: “Se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão…” *
Ou seja, o Centrão seria um valhacouto de corruptos, ladrões e mentirosos.
Conúbio
O que surgirá desse conúbio ainda está para ser definido. Tanto Bolsonaro poderá ser posto de joelhos pelo Centrão, este valendo-se das ferramentas que, segundo o general Heleno, são próprias desse agrupamento, quanto Bolsonaro poderá impor a sua vontade, se não lhe faltar apoio popular significativo.
O capitão que engoliu os generais
No princípio, os generais também tiveram o sonho de uma noite de verão que poderiam controlar o capitão, porém hoje estão humilhantemente subordinados a ele. Mas há uma boa diferença: os militares podem ser treinados para a guerra, porém falta-lhes traquejo político (noves fora quando se impõem pelas armas).
Profissionais
Com o Centrão o negócio muda de figura, os caras são profissionais da “velha política”. Participaram de todos os governos, com a vantagem de sobreviver a todos, pagando um preço muito baixo, qual seja, ouvir discursos desairosos de políticos que, depois, correm a pedir-lhes socorro, E eles estão lá, à disposição na prateleira. Porém, se pagam pouco, em compensação cobram caro dar proteção a mandatários em dificuldade.
De qualquer modo, foi uma dupla vitória do governo — e Lira já começou a passar o rodo na oposição —, porém, ainda é cedo para Bolsonaro cantar que está tudo dominado.
Vamos ver no que vai dar.
Uma coisa entretanto é certa: prevalecendo Bolsonaro ou o Centrão ou ainda um (difícil) entendimento perfeito entre eles, desse arreglo coisa boa não sairá. E nada disso acontecerá sem que tremores abalem o Palácio do Planalto.
A propósito, será engraçado ver os bolsonarianos fanáticos justificando as núpcias de Bolsonaro com o Centrão.
* Corrigido às 14h21min de 2/2/2021. Na primeira versão atribuí a música a Bezerra da Silva, que é um de seus intérpretes. Alertado pelo leitor "Medicam2" (veja abaixo) de que a música seria de Ary do Cavaco, pesquisei mais e verifiquei que a composição é de fato de Ary, em pareceria com Alberto Di São João, de acordo com informações do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Agradeço ao leitor pelo alerta.