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"Shadow cabinet": covardes e mentirosos
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Plínio Bortolotti integra do Conselho Editorial do O POVO e participa de sua equipe de editorialistas. Mantém esta coluna, é comentarista e debatedor na rádio O POVO/CBN. Também coordenada curso Novos Talentos, de treinamento em Jornalismo. Foi ombudsman do jornal por três mandatos (2005/2007). Pós-graduado (especialização) em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

"Shadow cabinet": covardes e mentirosos

“Presidente, o sr. tem aqui uma tropa de leões. E os leões precisam ser guiados por um leão”. Foi desse modo, ao estilo áulico, que o médico virologista Paulo Zanoto iniciou seu discurso na reunião de 8 de setembro de 2020, na qual estava sendo discutido como lidar com a pandemia do novo coronavírus, sem a presença de nenhum representante do Ministério da Saúde. (Uma observação, o coletivo de leão é alcateia; burros é que formam tropa.)

Ministro paralelo
A reunião foi liderado pelo presidente Jair Bolsonaro, com a presença do deputado Osmar Terra (MDB-RS), uma espécie de ministro da Saúde paralelo, e a média Nise Yamaguchi, consultora “eventual” do governo. Ou seja era um encontro de negacionistas da vacina, propositores do “tratamento precoce” com cloroquina, e defensores do contágio do maior número de pessoas possível, para criar a chamada "imunidade de rebanho natural", política que nenhum país sério do mundo adotou, e que contribuiu para que o número de mortes por Covid-19 no Brasil ultrapasse a terrível marca de mais de 470 mil vidas perdidas.


Paulo Zanoto

Em seu discurso, depois de receber uma respeitosa continência de Bolsonaro, Zanoto põe em dúvida a necessidade de vacinar os brasileiros: “Eu acho que a gente tem que ter vacina, ou talvez não, porque os grandes problemas do coronavírus é que eles têm, intrinsecamente, problemas no desenvolvimento vacinal”. É nesse contexto que Zanoto propõe a criação de um "shadow board", como se fosse um "shadow cabinet" (gabinete sombra).

Zanoto afirma já ter falado com Arthur Weintraub (na época assessor especial da Presidência da República) sobre o assunto. E alerta que “esses indivíduos” (do gabinete paralelo) não precisam ser expostos à “popularidade”. Ou seja, um organismo secreto funcionado à revelia do Ministério da Saúde e escondido dos olhos dos brasileiros.

Pfizer do Brasil
O mais significativo é que essa reunião aconteceu menos de um mês após a Pfizer do Brasil ter oferecido vacinas ao governo, tendo este dificultado ao máximo a negociação, deixando inclusive de responder insistentes e-mails da farmacêutica pedindo pressa no assunto. Essas informações, documentadas, foram levadas à CPI da Pandemia por Carlos Murillo, presidente da Pfizer para a América Latina, que estava negociando com o governo brasileiro.

Vacina a 10 dólares
Conforme divulgou a Folha de S.Paulo (6/6/2021) os imunizantes foram oferecidos ao preço de 10 dólares, a metade do que a farmacêutica estava cobrando para os Estados Unidos e para a União Europeia. O preço foi considerado alto pelo então ministro da Saúde, o general (da ativa) Eduardo Pazuello. Se a negociação houvesse sido concluída, a vacinação no Brasil poderia ter começado em dezembro, com 70 milhões de doses previstas para serem entregue a partir do fim do ano passado.

Gabinete paralelo a todo vapor
Pelas declarações do presidente da República que se seguiram a data da reunião do “shadow cabinet” pode-se depreender que o gabinete paralelo funcionou a todo vapor, municiando Bolsonaro de argumentos os mais esdrúxulos possíveis. O trágico é que isso custou a vida de milhares de brasileiros, pois pelo menos a metade da população já poderia estar vacinada se o presidente ouvisse a voz da ciência em vez de um gabinete que agiu nas sombras.

Agora, aqueles que formularam essa política, negam covardemente o que fizeram e, frente à CPI da Pandemia, contam as mais deslavadas mentiras para se eximir da responsabilidade do trágico resultado de suas sandices.

***
PS. Paulo Zanoto está tentando agora se explicar dizendo que o “shadow cabinet” é comum em outros países, citando a Inglaterra. É simplesmente mais uma mentira. Na Grã-Bretanha, de fato, existe um “shadow cabinet”, mas trata-se de um instrumento da oposição, público, que desenvolve propostas de políticas públicas alternativas às oficiais.

Foto do Plínio Bortolotti

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