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Coronavírus: a privacidade ou a vida?
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Plínio Bortolotti integra do Conselho Editorial do O POVO e participa de sua equipe de editorialistas. Mantém esta coluna, é comentarista e debatedor na rádio O POVO/CBN. Também coordenada curso Novos Talentos, de treinamento em Jornalismo. Foi ombudsman do jornal por três mandatos (2005/2007). Pós-graduado (especialização) em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

Coronavírus: a privacidade ou a vida?

Tipo Opinião

A revista Newsweek publicou reportagem de capa perguntando se os americanos aceitariam ter os telefones controlados, de modo a permitir que seus contatos fossem rastreados. Como subtítulo, lançou um dilema “a privacidade ou a vida”, pois a população mundial estaria compelida a escolher uma das alternativas frente à pandemia do novo coronavírus.

O debate a respeito da eliminação da privacidade, levado a cabo pelas “big techs” - as grande empresas digitais, como Google, Facebook e Apple -, não é novo. Faz tempo, esse direito fundamental vem sendo enfraquecido em todo o mundo.

O tema ganhou novo destaque devido à pandemia, quando o dilema privacidade x segurança sanitária bateu às portas do mundo. Filósofos, cientistas sociais e jornalistas se debruçam sobre o assunto, tentando acender uma vela na escuridão. O que fazer?

Para Giorgio Agamben, filósofo italiano, a resposta ao dilema nem mesmo precisa ser dada, pois o problema seria outro. No seu ensaio “A invenção de uma epidemia”, ele vê o coronavírus ser utilizado para justificar “uma tendência crescente de usar o estado de exceção como um paradigma normal de governo”. Para o filósofo, formou-se um “círculo perverso e vicioso” em que a “limitação da liberdade imposta pelos governos é aceita em nome de um desejo de segurança, que foi solicitado pelos próprios governos, que agora estão intervindo para satisfazê-lo”. Ou seja, para Agamben a pandemia simplesmente não existe com a gravidade anunciada, sendo mero pretexto para governos aplicarem medidas autoritárias.

No ensaio “A emergência viral e o mundo de amanhã”, o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han afirma que o coronavírus está pondo “o nosso sistema à prova”, e diz que os países orientais se saem melhor no combate à pandemia. Para ele, Japão, Coreia, China, Hong Kong, Taiwan e Singapura têm “mentalidade autoritária”, devido à tradição cultural influenciada pelo confucionismo. “As pessoas são menos relutantes e mais obedientes do que na Europa” e confiam mais no Estado, diz ele. Por minha conta, incluo os Estados Unidos como tendo população refratária ao controle dos governos.

Byung diz que os países orientais apostam fortemente na vigilância digital para enfrentar o vírus. “Poderíamos dizer que na Ásia as epidemias não são combatidas somente pelos virologistas e epidemiologistas, e sim principalmente pelos especialistas em informática e macrodados”.

Ele dá mostras arrepiantes de como vida dos cidadãos é controlada na China. O filósofo fala do sistema de “crédito social” a que todos estão sujeitos. A pontuação depende de como o cidadão se comporta: se de acordo com o que o Estado espera dele, ganha pontos; caso contrário - se mantém contato com opositores do regime, por exemplo - perde pontuação. O sistema pode conceder-lhe privilégios se a pontuação é alta, ou levar até à demissão do emprego, se for baixa. A série Black Mirror, no episódio “Queda livre”, previu situação idêntica para um futuro incerto, realidade na China atual.

No metrô chinês, conta Byung, as câmeras medem a temperatura corporal. Se identificam alguém com temperatura alta, todos os que estavam no vagão recebem uma mensagem no celular informando o contato com alguém possivelmente contaminado. Ou seja, o governo chinês sabe exatamente onde está cada um de seus cidadãos. Não existe proteção de dados: todas as informações são controladas pelo governo. “No vocabulário dos chineses não há o termo ‘esfera privada’”, escreve o filósofo sul-coreano.

Voltando à reportagem da Newsweek, ela foi escrita depois que a Google e a Apple propuserem um plano conjunto para obter dos americanos autorização para que as empresas rastreassem seus contatos, por meio de seus smartphones, como forma de localizar possíveis infectados pelo coronavírus.

Há uma consciência geral que manter a privacidade dificulta o combate à pandemia. No entanto, diz a Newsweek, os americanos tendem a resistir à vigilância do governo. E, no caso do rastreamento de contato, essa resistência parece um obstáculo intransponível, afirma a revista.

E você, frente à pandemia: 1) entende que a crise não existe, como diz Agamben? 2) está disposto a restringir o seu espaço privado para ajudar a conter o coronavírus? 3) Recusaria invasão na sua privacidade por entender que esse preço não deve ser pago, nem mesmo durante uma crise sanitária?

Foto do Plínio Bortolotti

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