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A ótima oportunidade que os militares jogaram fora
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Plínio Bortolotti integra do Conselho Editorial do O POVO e participa de sua equipe de editorialistas. Mantém esta coluna, é comentarista e debatedor na rádio O POVO/CBN. Também coordenada curso Novos Talentos, de treinamento em Jornalismo. Foi ombudsman do jornal por três mandatos (2005/2007). Pós-graduado (especialização) em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

A ótima oportunidade que os militares jogaram fora

Tipo Opinião

Os militares perderam uma ótima oportunidade de se recolherem aos quartéis após a redemocratização, em 1985. Preferiram continuar a má tradição das Força Armadas no Brasil: intervir no processo político.

Agora, sofrem a humilhação por defender um governo que já perdeu completamente o rumo. Hoje militares, especialmente generais, são a base de sustentação de Bolsonaro, sem os quais o governo ruiria como um castelo de cartas. De supostos tutores para evitar arroubos presidenciais - o que justificaria a presença deles no governo - foram rebaixados a meros obedecedores de ordens do capitão.

A continuidade de Eduardo Pazuello como ministro interino da Saúde aprofunda essa simbiose com Bolsonaro. O general será obrigado a submeter-se às decisões anticientíficas que Bolsonaro está tomando em relação à pandemia do coronavírus. Ele terá de fazer o serviço sujo, que nenhum profissional da área médica faria, sem aviltar seu nome e a sua carreira.

As Forças Armadas pagarão um alto preço por isso, com ou sem impeachment. Se houver impeachment, o impedimento será também dos militares. Em caso contrário, serão obrigados a continuar dando arrimo a um governo zumbi, que terminará o mandato rastejando.

Os 30% de apoio que Bolsonaro reúne, segundo pesquisas, certamente irá descer a um percentual entre 10% e 15%. A ele restará continuar falando para a choldra de fanáticos que o acompanha em qualquer circunstância, mesmo quando - pisoteando suas promessas - cai no colo do Centrão.

Aos militares nem mesmo será dado o direito à dúvida sobre Bolsonaro, pois o conhecem há décadas. No Exército, levou uma carraspana devido às suas tendências terroristas, e acabou indo para a reserva, um acordo para livrá-lo de uma expulsão desonrosa. No Parlamento, especializou-se em miudezas e a defender os interesses - nem sempre republicanos - da família.

Havia também um alerta do insuspeito general-ditador Ernesto Geisel (presidente entre 1974/79) sobre o capitão. Em 1993, em entrevista aos pesquisadores Maria Celina D'Araujo e Celso Castro ele classificou Bolsonaro como “mau militar". Os diálogos, realizadas entre 1993 e 1996, foram publicadas no livro “Ernesto Geisel”, da Fundação Getulio Vargas.

Aos pesquisadores, Geisel mostrou-se preocupado com apelos para que os militares voltassem a assumir o governo. “Neste momento em que estamos aqui (na época o presidente era Itamar Franco) conversando, há muitos dizendo: 'Temos que dar um golpe. Temos que derrubar o presidente! Temos que voltar à ditadura militar!' E não é só o Bolsonaro, não! Tem muita gente no meio civil que está pensando assim".

Geisel então afirma que os militares deviam “ficar fora da política partidária, mas não da política geral”. Para ele, todo político, que começa a se “exacerbar em sua ambições”, logo imagina uma revolução a cargo das Forças Armadas. Ele também destacou que a vinculação dos militares com a política era tradicional, mas que essa interferência diminuiria à medida em que o país se desenvolvesse.

E continuou: “Presentemente, o que há de militares no Congresso? Não contemos o Bolsonaro, porque o Bolsonaro é um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar. Mas o que há de militar no Congresso? Acho que não há mais ninguém”.

Geisel errou feio ao preconizar que os militares se afastariam da política. E talvez ficasse espantado com a quantidade de vivandeiras que pedem a volta de uma ditadura.

Porém, acertou em cheio quanto ao caráter de Bolsonaro, o capitão que agora dá ordens a seus colegas generais, o que talvez o enchesse de vergonha.

PS. Os trechos do livro foram reproduzidos da Folhapress/Folha PE (26/10/2018).

 

 

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