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Plano Materno
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Raymundo Netto é jornalista, escritor, pesquisador e produtor cultural, autor de obras premiadas, em diversos gêneros ficcionais ou não. É gerente editorial e gestor de projetos da Fundação Demócrito Rocha.

Plano Materno

— Mamãe, eu não sei mais o que fazer com Imaculada...

Dona Mariquinhas, a mãe, era viúva de longa estrada. Com a morte de Horácio, o venerado esposo, enfrentou a criação e o sustento do filho, fruto primeiro e único desse inconsolável amor. Daí, pouco sair à rua. Menos ainda amigos. Mesmo quando do filho em casa, para ajudá-la nas tarefas domésticas, as mais pesadas, tinha apenas o auxílio de Amâncio, um jovem abobalhado e truculento que criara desde menino, acolhido no lar em troca de casa e comida. Depois do casamento do filho com a sua primeira namorada, aquela Imaculada, sofreu horrores de abandono do ninho, até acostumar-se, se é que isso aconteceu.

Aquele filho, no entanto, cheio de mimos, tornou-se um palerma de primeira ordem. Tirando a instrução, mal sabia amarrar os cadarços. Naquele dia, por exemplo, em meio a dúvidas profundas, largara a clientela do escritório para buscar a barra de sua saia: "Imaculada, há dias, estava irreconhecível. Comprara lingerie indecorosa e uma calcinha que... (enguiou) e, no momento do amor, pôs-se a me dizer obscenidades, sem-vergonhices, palavrões. Pedir coisas. Nunca foi disso antes. Parecia endemoniada."

A mãe desconfiou: "Tem boi na linha..." Aumentou a pressão dos dedos no cafuné. "Algum cafajeste está na área ou é má influência de amigas solteiras." Concluiu: "Também, não há mais homens. Como o Horário, que era homem com H maiúsculo, e com 2 H, é bom que se diga, não se encontra mais."

— Também não se encontra mulher como você, mamãe. Honesta, irrepreensível, fiel até depois da morte. Diz, mãezinha, o que devo fazer?

— Uma prova! Você precisa é de uma prova. Mulher quando se perde, tem jeito não. As sonsas são as piores! Mas deixe que a sua mamãe tem uma ideia...

Então, dona Mariquinhas segredou ao ouvido medroso o terrível plano.

No outro dia, estava o casal na sala. Ele na poltrona e Imaculada deitada no sofá, quando batem à porta: um mensageiro! Vinha lhe entregar um buquê de rosas escandalosamente vermelhas. O canastrão, sabendo do embuste, pediu que ela atendesse. Fingiu surpresa: "Rosas? Deve ser engano. Só pode." Percebeu ela ao colher o cartão do pretenso amante - com mensagem que ele mesmo digitara - e o esconder furtivamente ao decote: "Ah, mas são lindas... Vou pô-las no vaso, amor."

Ainda com teatro, ele anunciou sono e dirigiu-se ao quarto, orelha em pé, ouvindo a esposa falar baixinho ao celular. Logo, confusa e disfarçando o pouco jeito, a mulher entrou no quarto e começou a se despir. Não suportando mais, ele saltou rapidamente, pegou o celular dela e saiu correndo, enlouquecido: "Sua vagabunda! Eu mato ele! Eu mato os dois!".

Como sempre, sem saber o que fazer e incapaz de matar uma barata, correu em busca do colo materno que, no adiantado da hora, estava às escuras. Entrou. Sentindo-se irremediavelmente ferido de traição, como um bebê assombrado, se jogou na cama da mãe, sendo violentamente apanhado pelos seus braços:

— Amâncio, seu guloso, quer mais da sua cachorra, né? Vem, tarado, vem!

Então, completamente pasmo e entregue, provou daquele beijo a fórceps, a quase extrair-lhe a alma inteira.

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