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Ama o Teu Próximo: Defenda o seu Direito!
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Raymundo Netto é jornalista, escritor, pesquisador e produtor cultural, autor de obras premiadas, em diversos gêneros ficcionais ou não. É gerente editorial e gestor de projetos da Fundação Demócrito Rocha.

Ama o Teu Próximo: Defenda o seu Direito!

Tipo Crônica

Cumpri estágio nos últimos anos de curso em uma instituição bastante conhecida. Durante o período surgiu-nos a oportunidade de participar de evento profissional no Rio de Janeiro. Por conta da bolsa, pela primeira vez poderia participar de algo assim. Entretanto, a responsável nos disse que não seríamos dispensados para irmos a tal Congresso. Protestei, afinal, por ser estágio, não poderiam nos impedir de participar de atividades relevantes a nossa formação profissional.

Éramos seis estagiários. Não aceitei a negativa e estimulei aos colegas que não se sujeitassem a isso, pois era nosso DIREITO. Durante dias, a minha campanha soou incômoda, gerando piadas, indiretas, até que a nossa chefe trouxe uma proposta: "Um sorteio. Apenas 2 estagiários seriam liberados para viajar. Os demais ficariam". Ao ouvi-la, completei: "Pode sortear se quiser, mas se eu não for contemplado irei da mesma forma". Então, para minha surpresa, sorridentes, minhas colegas diziam: "Tomara que não seja o Netto, pois ele fala demais!". E assim, durante o sorteio, essa cantilena soou alegre, num agouro incompreensível, que resultou, para minha sorte, em meu nome. Contudo, a coordenadora sensibilizada acabou liberando a todos. Valeu o direito!

Desde então eu aprendi a grande lição: defender o direito alheio pode ser prejudicial à saúde. Antes eu tivesse articulado, miseravelmente e à surdina, a minha ida. Não seria difícil. Porém, não sei se por quase ter nascido dentro de um ônibus, tenho um espírito coletivo demais. Como imaginar na inocência dos meus 20 anos que meus "semelhantes", beneficiados com meu desacordo, torceriam e se voltariam contra mim? Parece incrível, mas ser irracional é uma das maiores faculdades mesmo entre os mais instruídos dos seres humanos.

Nunca duvidei: DIREITOS não nos são dados, mas conquistados! Todavia, frutos de uma cultura elitista e escravocrata, é terrivelmente compreensível que muitos ainda esperem que a sorte do destino lhes caia dos céus ou chegue pela caridade, em joelhos, suplicando migalhas, adorando, invejando e servindo arrasadoramente àqueles que possuem poder e/ou fortuna.

Hoje, no século do futuro, com tantos rastros históricos a nos apontar nossos erros, crises, holocaustos, tiranias e crueldades assisto a uma pesquisa que afirma: as pessoas estão cada vez mais abrindo mão da democracia ou simplesmente alegando que para elas "tanto faz", da mesma forma que outras pedem a volta de regimes totalitários e intolerantes - mesmo quando afirmam nunca haver existido tais coisas. É inacreditável o número de pessoas a abrir mão do seu intransferível direito de escolher e decidir o seu destino e dos seus iguais. Da mesma forma, muitos lavariam as mãos, como o fez Pilatos, causando a condenação e a tortura - que também não os incomodam - daquele que nas noites natalinas clamam emotivamente de "Meu Salvador".

É porque muitos deles usam a religião como expiação, uma chancela para esconder as vergonhas que nem a sua consciência ousa aceitar. Mesquinhas e covardes, buscam a salvação. Nessa hora, em oração, clamam ao seu Deus por sua vida, por seus filhos, seus amigos, pedem mais - não merecem - e pedem ainda mais. Insaciáveis, como bestas em cabrestos dourados, só pedem para si. Daí a minha incontestável certeza: quem abre mão de seu direito é incompetente para dizer que ama o seu próximo, negando o ensinamento maior daquele que, por vezes, traz pendurado no pescoço, mas jamais dentro do peito.

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