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Quarentena
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Raymundo Netto é jornalista, escritor, pesquisador e produtor cultural, autor de obras premiadas, em diversos gêneros ficcionais ou não. É gerente editorial e gestor de projetos da Fundação Demócrito Rocha.

Quarentena

Tipo Crônica

Meu lado ficcionista, de leitor de clássicos, quadrinhos e muita ficção científica, não me deixa assombrar pela guerra microbiológica atual. Aliás, durante a vida inteira, essa era uma das certezas - ou pelo menos potencial possibilidade - que trazia na vida, além da outra, a morte, aquela hoje noticiada como novidade, quando a novidade mesmo é o nome do algoz, pois a morte vitima milhares de pessoas diariamente por motivos mais banais (acidentes de trânsito, ausência de socorro e atendimentos em hospitais) ou mesmo absurdos e inaceitáveis (assassinatos, guerras, violências, fome), sendo que muita gente, em condições privilegiadas e seguras, nunca deu a menor importância a isso - até agora!

Alguém, antes da decretada quarentena, me disse frio ou insensível diante do coroado monstro, mas não é nada disso. Assisto a noticiários, mais de um, todos os dias. Leio notícias em portais seguros e confiáveis pelas redes sociais - evito assistir a vídeos e mensagens sem fontes que se alastram mais do que a curva pandêmica -, mantenho o isolamento social e me previno como posso, seguindo protocolos de higiene, também preocupando-me e aconselhando cuidados a amigos e familiares que, espero, ultrapassem mais essa crise sem sequelas.

Contudo, o mais importante: tento não introjetar esse quadro em mim. Nem o vírus nem o pânico e muito menos a contagiante morbidez propalada.

Vejo diversas pessoas adoecidas pelas redes sociais, gente que não está conseguindo manter a sanidade mental, tomada pelo pavor e pela insegurança, distribuindo-os aos mais próximos. Deprimidas, esgotadas e intranquilas, não conseguem aproveitar para fazer planos, executar aqueles projetos impedidos pela rotina antiga, fazer exercícios (ou amor), jogar com familiares, ler bons livros ou assistir a filmes, pois a cabeça não consegue concentrar-se em mais nada que não seja a lista de infectados e mortos no mundo.

Eu, do meu lado, vivo o hoje, um dia por vez - hábito que trago há anos -, não exigindo muito do futuro, agradecendo por acordar e estar com aparente saúde, por ter condições tecnológicas para conseguir realizar o meu trabalho com a máxima atenção e zelo possíveis, imaginando algo que vai nascer em meio à treva quarentena, mas que em breve será luz e beleza. Tudo passa, como diz o Alencar.

Mesmo ciente do número de pessoas que não têm recursos e condições para atravessar essa chuva com a mesma tranquilidade, sei que não posso deixar-me ser tomado por essa angústia. Se eu puder ajudar, ajudo, contribuo, não me esquecendo de que me lembro dessas mesmas pessoas sempre, inclusive na hora do voto, cujo resultado faz toda a diferença em momentos como esse ou de outros que, certamente, virão.

Tenho esperança, não a largo por nada, e a minha crença na vida, não no ser humano, mas na vida, a nossa maior aliada para a construção de um novo mundo, um lugar onde não predominem tantas injustiças, desigualdades, sofrimentos, doenças e mentiras. É por isso que pretendo continuar acreditando, até a última chama ou lágrima, no que há por vir.

 

Foto do Raymundo Netto

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