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Shakespeare e a Amazônia
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Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha

Shakespeare e a Amazônia

Imaginar que a Amazônia não precisa ser preservada pelo bem vida humana e de milhões de seres vivos é, comparando mal, o mesmo que pensar que a obra de Shakespeare possa, um dia, deixar de esquadrinhar nossa humanidade
Tipo Opinião

“Daqui a 100 anos não há garantias que William Shakespeare continue sendo venerado como o maior escritor de língua inglesa”. A provocação é de Roman Jakobson ao construir sua teoria das funções da linguagem, com a qual tenta desmontar todas as possibilidades de se manter a literatura numa redoma.

Ele afirma que a literalidade de um texto está nos sentidos que ele evoca e não num suposto uso exclusivo de uma linguagem específica. Isso rende uma polêmica medonha. Além disso, prossegue, o que hoje é chamado “literatura”, daqui a algum tempo poderá sequer ser reconhecida como tal. O inverso também é verdadeiro. Há vários exemplos disso.

No entanto – e quem sou eu para discutir o que é literatura com Jakobson -, ele extrapolou. Shakespeare tem ultrapassado séculos como esquadrinhador, por excelência, da alma humana. Ricardo III, Otelo, Romeu, Julieta, Rei Lear, Hamlet, Ofelia, Lady MacBeth parecem desafiar qualquer ideia de que, no futuro, sejam figuras sem qualquer ressonância com os viventes da época. A não ser que o mundo já esteja completamente ocupado por máquinas. Nesse tempo, a natureza, assim como a literatura não terá qualquer importância para o Planeta.

Talvez seja pensando nisso que a destruição da Amazônia esteja sendo encomendada por aqueles que a atacam sem tréguas nos últimos tempos. Comparando mal, Shakespeare está para a literatura assim como a Amazônia está para o nosso meio ambiente.

Imagine você que algumas pessoas acham que o escritor inglês, na verdade, são vários autores e há teorias que juram que ele nunca escreveu um único livro e que não passa de uma invenção vitoriana. Outras, que ele não teria a menor condição de ter escrito uma obra tão vasta em tão pouco tempo. Nada disso, porém, tira dos personagens de Shakespeare a força, a beleza e a humanidade que eles têm.

Quanto à Amazônia, o que mais se tem dito sobre ela é que os países – Noruega, França, Alemanha, só para citar alguns – que a defendem só querem se apossar dos seus recursos (por isso, a destroem?). Um documento do Ministério da Defesa divulgado em julho último supõe, inclusive, uma grande tensão entre as nações vizinhas tendo a Amazônia como ponto central de possíveis conflitos.

Outros afirmam que a Amazônia não tem impacto algum para ecossistema ambiental em termos mais amplos. Ela não é o pulmão do mundo. Isso não existe, nunca existiu, a não ser nas cabeças ideológicas de esquerdista e globalistas, dizem essas pessoas.

Não à toa, pensamentos assim tornam muito gente indiferente à questão ambiental. Podem ser até responsabilizados por barbarizarem a Amazônia com queimadas, desmatamentos, exploração do espaço da floresta com pasto, destruindo milhares de espécies. O governo se movimenta ao avesso, postergando um plano para conter os invasores, impedindo que os fiscais do Ibama autuem infratores, flexibilizando ao máximo os marcos legais, falando grosso com quem critica a política ambiental do (des)governo e fino com violadores ambientais.

Imaginar que um dia possamos não considerar Literatura (com L maiúsculo) Hamlet e suas angústias, Lady MacBeth e sua ganância sem limites, Otelo e suas incerteza e insegurança atrozes é prever um mundo ainda mais brutalizado. Talvez seja o mesmo que antever o fim da Amazônia, espaço que precisa ser preservado em função da própria condição de sobrevivência da humanidade e de milhares de outras espécies de seres vivos.  

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