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O deboche como estratégia
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Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha

O deboche como estratégia

Nos últimos anos, o cinismo e o deboche têm sido usados como estratégia política
Tipo Opinião

“O fato de não termos consciência do que vai acontecer no futuro é um erro terrível na programação do mundo. É algo que deveria ser consertado na primeira oportunidade que surgir”. Quando li essa frase da sra. Dusheiko, personagem de Sobre os ossos dos mortos, da escritora polonesa Olga Tokarczuk, fiquei imaginando que, mesmo sem ter consciência, muita gente no Brasil gostaria de ter dito essas mesmíssimas palavras nos últimos meses.

E antes de escrever sobre a entrevista que Flávio Bolsonaro deu ao jornal O GLOBO esta semana, preciso dizer que ao ler a crônica semanal do Antonio Prata, domingo passado, fiquei surpresa sobre o tanto de coisas que eu deveria estar escrevendo, entre elas as minhas descobertas recentes sobre as plantas, as novas receitas que tenho experimentado, o desejo imenso de aderir – aliás, já o fiz involuntariamente – ao movimento Thirty-Three, e sobre a vontade de, às vezes, sair voando pela janela. (Se bem que aqui perto de casa há um heliporto num dos prédios e o movimento de helicópteros tem se intensificado tanto que, às vezes, me dá nos nervos. Ou seja, o risco de voar por aqui seria imenso).

Sem mais rodeios. Enquanto ouvia o áudio da entrevista do 01, me veio à mente esse trecho do livro da Tockarczuk. E é por isso que amo a literatura. Porque encontro nela algo que até penso, mas não conseguiria dizer. De repente, meus sentimentos surgem escritos ali, diante dos olhos. As palavras são postas numa clareza profunda, de uma forma que eu jamais poderia dispor.

Não estou fugindo do assunto. Acontece que, mesmo para mim, que nunca considerei a família Bolsonaro confiável, de nenhum ponto de vista, me sinto terrivelmente incomodada com o cinismo dessa gente. Cinismo no sentido de desfaçatez, de escassez de caráter, de descaso deliberado com a verdade.

Ouvi o rapaz falando da forma debochada: “Pedi pro Queiroz fazer uns pagamentos pra mim, como a gente pede a um secretário. Onde está o crime?”. Mais adiante: “Quando você vai ver o que o Queiroz movimentou, foi o dinheiro da família dele. Ele administrava lá o dinheiro dos parentes dele. Há algum mal nisso?”. É um tipo de desrespeito tão imenso a inteligência alheia, que é capaz de causar uma intensa indignação. Mas como disse a sra. Dusheiko: “A vida é uma espécie de campo de manobras experimentais muito exigente”.

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