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Enquanto aguardava a primavera
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Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha

Enquanto aguardava a primavera

As incertezas que rondaram os tempos de pandemia e isolamento social foram prato cheio para pensar na vida

Em abril deste ano não tinha ideia de como seria a vida em setembro. Da janela, lugar que passei a frequentar uma vez ou outra – coisa que nunca havia feito – ou da varanda do apartamento, quando me sentava no fim da tarde para ler, só para ter a sensação de que estava quebrando a rotina, me perguntei muitas vezes se estaria viva quando a primavera chegasse. O problema não era morrer, exatamente, era ficar doente de Covid-19 e sumir.

Nesse tempo, li um livro após outro. Testei inúmeras receitas. Ir para mesa era sempre uma surpresa. “O que vai ser hoje?” E ficávamos ali, de conversa fiada, falando sobre o novo prato, as descobertas, o sabor. Cozinhar para mim, é mistério.

Acho maravilhoso misturar temperos, descobrir os sabores dos ingredientes. Aprendi, depois de muita, muita insistência, a fazer roux, a base para o molho bechamel, algo que tentava há tempos. E fiquei craque em Croque Monsier, que meus filhos, de forma muito bem humorada, chamam de “mistão francês”. Vai ao forno com o molho e queijo gruyère. É uma delícia.

Liguei para amigas com quem não falava há tempos enquanto aguardava a primavera. Uma delas me deu, no passado, a receita do bolo de banana com amêndoas que faço até hoje. Conversamos muitíssimo. Porque amizade fica ali, quieta. Basta só você puxar o cordão, o novelo vem junto. Inteirinho. Visitando o velho caderno de receitas, descobri algumas com a letra da amiga que escreveu. Foi assim com a torta de maçã. Estou afiadíssima com esta também.

No Dia das Mães, falei para o meu marido que iria ficar louca ou gorda (para quem é magrela por toda a vida, soa estranho). Ele ainda estava meio dormindo. “Doida, eu sempre achei que você fosse mesmo, mas gorda, talvez nunca”. Fomos numa praia afastada. Ouvir o mar, caminhar na praia, sentar na areia e deixar o tempo passar foi um presente. Naquele dia, o almoço chegou pronto. A sobremesa também.

Em junho, estava tudo bem. Havia aprendido a assistir a peças de teatro pelo Zoom. E ver festivais de cinema que não veria jamais. E a participar de clubes de leitura remotos.

Dia 31 de agosto, estava em paz. Embora tenha sido alertada de que não existe primavera no Nordeste, isso é um detalhe sem importância. Que bom que ela está chegando, colorindo os ipês, embalando as árvores, acordando o tempo. É a minha primavera.

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