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De novo, as histéricas
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Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha

De novo, as histéricas

Termos como histéricas, loucas e desequilibradas ainda são desferidos contras mulheres que contrariam opiniões ou modelos propostos
Tipo Opinião

Às vezes, tenho uma ligeira sensação de que o Brasil caminha em zigue-zague com forte tendência de andar para trás. Tudo bem que as eleições municipais de 2020 travaram um pouco esse percurso retrógrado, mas, como sempre, alguns conseguem andar mais rápido do que os outros rumo ao nada.

Um desses corredores é o deputado federal pelo PSL Alcíbio Mesquita Bibo Nunes, jornalista, apresentador de TV. Esta semana, Bibo Nunes chamou de “histéricas” colegas mulheres do legislativo federal que se posicionavam contra a medida provisória da Casa Verde e Amarela, programa que substituirá o Minha Casa, Minha Vida. O programa em si traz em todas as faixas de renda uma taxa de juros que só interessa ao sistema financeiro, levando em conta o público a que se destina o programa, mas esta é outra história.

Bibo Nunes disse durante sua fala machista ao extremo que estava criando um neologismo: “deputérica”, destinado às deputadas histéricas. Diante de uma fala dessas, a vontade que dá é de ignorar. Esse tipo de coisa ofensiva, atrasada, misógina, sem classe deveria perder-se no ar. Afinal, para que levar em conta a possibilidade de repetir o nome desse deputado?

No entanto, pensando bem, merece, sim, prestar atenção ao novo neologismo. Faz todo sentido reclamar publicamente. É necessário lançar mão de todas as ações que questionem esse tipo de fala contra as mulheres. Sob o rótulo de histérica, muitas mulheres tiveram suas vidas sacrificadas.

A escritora italiana Annacarla Valeriano investigou por anos prontuários de sanatórios durante o fascismo italiano para contar histórias de mulheres confinadas por não corresponderem ao ideal do Estado. Entre o século XIX e parte do século XX mulheres tidas como rebeldes, histéricas e inadequadas eram alcançadas pelo braço da Igreja, do Estado, da família e da medicina.

Histérica, louca, desequilibrada são termos que eram e ainda são endereçados, em pleno século XXI, às mulheres que discordam ou que são obstinadas em suas opiniões, que não aceitam certas verdades como absolutas. É por isso que, por mais absurda ou anacrônica ou descabida que seja a fala de Bibo Nunes, não devemos passar em branco. Ou corremos o sério risco de andar tanto para trás que daqui a pouco surge diante de nós, de novo, as histéricas.

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