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Jesem Orellana, da Fiocruz, ou a Cassandra brasileira
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Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha

Jesem Orellana, da Fiocruz, ou a Cassandra brasileira

A Ciência parece ser a nova Cassandra moderna. Pela mitologia grega, a personagem tinha o poder de prever o futuro, mas ninguém lhe dava crédito.
Tipo Opinião

Lendo sobre o esforço que o epidemiologista da Fiocruz-Amazonas, Jesem Orellana, fez para convencer as autoridades de Manaus a serem mais rigorosos e prevenirem uma nova segunda onda da Covid na cidade, lembrei-me do mito grego Cassandra. A princesa Cassandra era irmã de Heitor e filha do rei Príamo. Após rejeitar os encantos do deus Apolo, Cassandra foi castigada com uma maldição: teria o poder de prever o futuro, mas ninguém lhe daria crédito.

Foi assim que ela previu a destruição de Tróia e alertou a família e a cidade inteira. Foi chamada de louca pelo pai, pelos irmãos e os troianos. A cidade em festa recebeu então o presente dos gregos e foi devastada completamente. Em Eneida, do poeta romano Virgílio, Heitor aparece em sonhos a Enéias, um dos heróis de Tróia, que foge da cidade com alguns sobreviventes da tragédia e funda o mito de criação de Roma.

Voltemos a Cassandra, ou melhor, ao cientista da Fiocruz, de Manaus. O poder de Jessem Orellana foi lhe dado não por Apolo, mas pela ciência, que é capaz de antever situações que podem ser evitadas. Parte do mundo hoje não dá a mínima para a Ciência, a Cassandra moderna, completamente desacreditada por um tipo de pessoas que desprezam o conhecimento e enchem a mente com os cavalos de Tróia da desinformação e das teorias da conspiração que nada significam se não causassem desespero e morte no mundo real.

Chega a ser angustiante apenas pensar no sofrimento de médicos tentando salvar pessoas da morte por asfixia durante as cinco horas de colapso de oxigênio em Manaus, na última quinta-feira. Os profissionais de saúde dos hospitais recorriam à técnica de umbuzar – ou ventilar manualmente – alguns pacientes. Notei a repetição da palavra “desespero”, dita por médicos e enfermeiros.

A Fiocruz de Manaus chegou a desautorizar o cientista Orellana a falar em nome da instituição, enquanto ele alertava Manaus, ainda no ano passado, a adotar medidas de restrições a fim de evitar uma segunda onda de casos da Covid-19 numa proporção ainda pior do que a cidade havia enfrentado entre abril e maio de 2020. Bobagem de Cassandra, disseram os troianos. Entre o Natal e o Revéillon os trades do comércio e do turismo não queriam nem ouvir falar de coronavírus. Manaus recebeu de bom grado o presente dos gregos. Desta vez, os cavalos mitológicos foram substituídos pelo vírus real.

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