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Os indígenas e o desastre humanitário sob Bolsonaro
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Regina Ribeiro é jornalista e leitora voraz de notícias e de livros. Já foi editora de Economia e de Cultura do O POVO. Atualmente é editora da Edições Demócrito Rocha

Os indígenas e o desastre humanitário sob Bolsonaro

O discurso perverso de Bolsonaro de que os "índios querem ser pessoas normais" parece ter sido a senha para o avanço da grilagem, para o crescimento do índice de invasões de terras e violências praticadas contra os povos indígenas brasileiros.
Tipo Análise
Povo Pitaguary protesta contra PL 490 e tese do marco temporal  (Foto: Divulgação/Oprince)
Foto: Divulgação/Oprince Povo Pitaguary protesta contra PL 490 e tese do marco temporal

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Uma das coisas mais interessantes da literatura contemporânea é a diversidade de personagens que ganharam as páginas dos livros. De certa forma, é um alívio para quem realmente gosta da experiência em si da leitura. Ler “Indígenas de férias”, do escritor Thomas King – com dupla nacionalidade canadense e estadunidense – me fez pensar em várias informações que chegam de todos os lugares sobre a situação dos povos indígenas no passado e no presente. O próprio Canadá está às voltas com a descoberta de 750 túmulos de crianças indígenas numa escola de Saskatchewan, que chocou o país e o fez encarar suas políticas de “incorporação de crianças indígenas” à sociedade nos séculos 19 e 20.

Semana passada, a secretária do Interior dos Estados Unidos, Deb Haaland, trouxe à tona os resultados de uma investigação sobre 408 internatos federais que recebiam crianças indígenas no processo de socialização à cultura norte-americana. Elas recebiam nomes ingleses, eram obrigadas a falar inglês e proibidas das práticas culturais e religiosas das suas comunidades. Sem contar que eram retiradas das suas famílias de forma compulsória.

Agora se sabe que superlotações, abusos físico e sexual, doenças, desnutrição, punições exacerbadas para quem tentava fugir provocaram a morte de centenas de crianças indígenas. Quando os internatos foram fechados, muitos deles nunca retornaram para casa. Haaland, que é descendente de indígenas norte-americanos, prometeu uma turnê pelo país para dar voz às pessoas indígenas e descendentes que passaram pela violência da tentativa de integração social promovida pelos Estados Unidos.

Entidade pede ao STF retirada de invasores de terra Yanomami(Foto: )
Foto: Entidade pede ao STF retirada de invasores de terra Yanomami

Thomas King e seus personagens Mimi, uma artista de ascendência Blackfoot, casada com Bird, um jornalista descendente dos Cherokees vagueiam pela Europa à procura da memória do avô de Mimi, expulso de sua tribo e obrigado a percorrer países europeus fazendo shows. Enquanto acompanho a viagem do casal que luta com a memória do mundo passado e o presente tão violento quanto, sinto uma espécie de angústia ao ler sobre a situação dos indígenas no nosso país.

O discurso perverso de Bolsonaro de que os “índios querem ser pessoas normais” parece ter sido a senha para o avanço da grilagem, para o crescimento do índice de invasões de terras e violências praticadas contra os povos indígenas brasileiros. Notícias de estupro e morte de meninas e mulheres indígenas yanomamis, apropriação das riquezas das terras indígenas extraídas de forma ilegal, avanço sobre territórios demarcados, além da defesa do governo pelo marco territorial indígena, o descaso e a desumanidade diante dos problemas que cercam os povos indígenas no Brasil são um desastre humanitário.

É bom lembrar-se de que foi necessário que o STF pressionasse o Ministério da Saúde por protocolos exequíveis de vacinação dos povos indígenas contra a Covid-19. Uma nítida noção de que o País está sendo negligente e perverso com esses povos certamente faz parte de uma espécie de maturidade cívica. A história que Bolsonaro está escrevendo sobre os indígenas brasileiros não é muito melhor do que a do Canadá e a dos Estados Unidos com suas escolas de enformar crianças indígenas.

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