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Da Uniseg ao Proteger: os caminhos sinuosos da segurança pública
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

Da Uniseg ao Proteger: os caminhos sinuosos da segurança pública

Tipo Opinião

Sem alarde, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) publicou, no Diário Oficial do Estado do último dia 23, a portaria que cria o Programa de Proteção Territorial e Gestão de Riscos (Proteger). Segundo o documento, a medida tem como objetivo principal "a efetivação do direito à segurança dos moradores de comunidades urbanística e socioeconomicamente vulneráveis", que passaram a ser denominadas pela política pública como Áreas Críticas de Interesse da Segurança Pública (ACISP).

Ainda de acordo com a portaria, os objetivos do Proteger são: reduzir os Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) nas ACISP; identificar e reduzir atos de coerção ilegítima exercida por grupos criminosos nas áreas atendidas pelo Programa; fortalecer a comunicação entre o poder público, em especial com os órgãos de segurança e os moradores das áreas atendidas; e fomentar, facilitar e acompanhar a oferta ou a expansão de políticas públicas transversais de cunho social, econômico ou urbanístico que beneficiem os moradores das áreas atendidas.

Quem acompanha de perto as notícias sobre segurança pública sabe que a ideia de instalar bases móveis em áreas vulneráveis já havia saído do papel há algum tempo. A iniciativa já existia na prática pelo menos desde fevereiro de 2018 quando o primeiro contêiner da Polícia Militar foi instalado na comunidade do Gereba, no bairro Jangurussu.

Também sem muito alarde, o Proteger passou a ocupar um espaço simbólico na política de segurança pública que havia sido destinado anteriormente às Unidades Integradas de Segurança (Uniseg). A diferença nas trajetórias dos dois programas ilustra bem as opções tomadas pelo Governo Camilo Santana. Capitaneada pela vice-governadora Izolda Cela, a Uniseg era o carro-chefe do ambicioso programa Ceará Pacífico no início da gestão. O bairro Vicente Pinzón foi o primeiro a receber o projeto-piloto, em março de 2016. A segunda unidade foi implementada em julho daquele ano no Meireles. No entanto, a terceira Uniseg, localizada no Conjunto Ceará, só veio a ser inaugurada quase um ano depois, em junho de 2017.

No portal da SSPDS, o registro mais recente de implementação de alguma Uniseg é a da Barra do Ceará, em julho de 2018. Trata-se da décima primeira. Além dos bairros citados, há unidades de segurança no Jangurussu, Bom Jardim, Messejana, Pici, Vila Velha, Jardim das Oliveiras e Antônio Bezerra. Sobral e Juazeiro do Norte aparecem como as únicas contempladas no Interior. Embora tenham sido apresentadas como o eixo das políticas de segurança, as Unisegs parecem ter cedido espaço à ampliação e interiorização do efetivo do Raio como principal estratégia de atuação do Ceará Pacífico, que veio a se tornar a marca definidora da gestão Camilo Santana.

O Proteger surge em meio à escalada da violência que transformou 2017 no ano mais violento da História do Ceará. A ideia de espalhar contêineres em pontos vulneráveis da capital foi percebida como uma iniciativa mais rápida, econômica e eficaz. Não à toa, o projeto-piloto foi instalado próximo à comunidade da Babilônia, uma das sedes dos Guardiões do Estado (GDE). Tratou-se ainda de uma medida coordenada pessoalmente pelo secretário da segurança, André Costa, que não mediu esforços para fazer com que a proposta se consolidasse.

Ao contrário das Unisegs, que demoraram a ser implementadas, as bases do Proteger se multiplicaram rapidamente. Levantamento mais recente da SSPDS revela a existência de 29 unidades em funcionamento. Conforme entrevista ao O POVO na semana passada, André Costa afirmou que entre 15 e 25 novas bases devem ser entregues até o fim do ano.

O discurso governamental não tardou a estabelecer uma relação direta entre o Proteger e a queda nos homicídios. É preciso, contudo, avaliar de forma mais aprofundada essa correlação. Uma dificuldade é o fato de não haver a indicação de onde as bases estão instaladas, ao contrário das unidades de segurança. Sem essa informação, não é possível emitir qualquer parecer sobre a eficácia e o alcance da medida. É importante saber também como está ocorrendo a integração do programa com as Unisegs: se há concorrência, cooperação ou substituição de uma iniciativa pela outra.

Coincidentemente ou não, a portaria que cria o Proteger foi publicada justamente em um momento no qual assistimos a uma segunda onda da guerra entre as facções. Fogos de artifício comemorando tomada de territórios e relatos de pessoas sendo expulsas de suas casas voltaram a ser comuns. O crime organizado, que já tinha dado mostras de não ter sido debelado na época do motim da PM, ressurgiu com força em tempos de pandemia. Mais uma vez a política de segurança pública é colocada em xeque. Resta saber qual será a resposta dada desta vez.

 

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