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De qual modelo de segurança Fortaleza necessita?
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

De qual modelo de segurança Fortaleza necessita?

Tipo Opinião
Hmicidios em Fortaleza (Foto: luciana pimenta)
Foto: luciana pimenta Hmicidios em Fortaleza

Estabelecer relações causais acerca de um fenômeno tão complexo quanto a violência é tarefa árdua. São tantos os fatores envolvidos que a pergunta se torna quase impossível de responder. No entanto, ainda assim é preciso que nos debrucemos sobre a questão na tentativa de definir modelos de prevenção e atuação que visem à redução da criminalidade e dos atos violentos. A forma como o problema é compreendido afeta sua resolução.

Para tanto, é necessário contextualizar o modo como os crimes violentos letais intencionais (CVLI) se manifestam. No começo do ano, abordei nesta coluna a existência de um processo de "metropolização" dos homicídios no Ceará. De 2013 a 2019, a participação de Fortaleza no total de assassinatos do Estado caiu de 45% para 29,7%. Em contrapartida, os assassinatos na Região Metropolitana saltaram de 21,2% para 31,1%. Trata-se de uma mudança bastante relevante no perfil dos crimes violentos que sinaliza para a existência de um "efeito balão", ou seja, a dinâmica socioespacial do crime se alterando a partir de maior repressão policial em determinadas áreas.

Em relação aos números absolutos, é possível notar que houve uma queda no número de homicídios de 1.993 para 663, no mesmo período. No entanto, essa redução não ocorreu de forma linear (ver quadro). A variação percentual oscilou de -39% para 97%, de um ano para outro, caracterizando uma verdadeira montanha-russa estatística.

Tamanha discrepância nos indicadores não pode ser explicada única e exclusivamente como resultado de políticas públicas, mas como efeito de eventos extraordinários como o processo de reordenamento do tráfico de entorpecentes promovido por organizações criminosas de dentro e de fora do Estado, entre 2015 e 2016, que ficou conhecido como a "pacificação", por exemplo.

O cenário atual, contudo, aponta para um aumento da violência letal em Fortaleza. Nos oito primeiros meses de 2020, os homicídios aumentaram 32%. Até mesmo a proporção da Capital no registro de assassinatos cresceu, passando de 29,7% para 31,4%. Após uma sequência de dois anos com índices decrescentes, os números voltam a preocupar. Diante desse quadro desfavorável, quais medidas deverão ser tomadas pelo (a) futuro (a) postulante ao Paço Municipal?

Tradicionalmente, o modelo mais empregado tem sido o do incremento da dimensão repressiva das forças de segurança sob a orientação de um viés fortemente militarizado. A própria Constituição de 1988, denominada "cidadã", foi incapaz de por fim às estruturas hierarquizadas do aparato de segurança construído na Ditadura Militar. A participação social foi ampliada sobremaneira, mas o enclave formado por uma polícia militarizada permaneceu em meio a uma forma de governo que se pretendia civil e democrática.

Por seu turno, as prefeituras insistem em recorrer a esse mesmo modelo quando pensam no que fazer em termos de uma segurança pública municipalizada. Em se tratando da militarização da política, governos de direita e de esquerda possuem responsabilidades semelhantes. Vale lembrar que a atual feição militarista da Guarda Municipal de Fortaleza (GMF) ganhou seus contornos iniciais em uma administração petista.

A atual gestão municipal, por sua vez, inovou recriando um conjunto de torres de vigilância cujo nome oficial é "células de proteção social". Apesar da imponência da obra, pouco se sabe sobre a efetividade de tal medida para além de seus aspectos visuais na paisagem urbana. O Governo do Estado já conta com um sistema de videomonitoramento, o Sistema Policial Indicativo de Abordagem (Spia). Dotar a Guarda Municipal de um sistema parecido, ainda que de curto alcance, parece uma ação redundante.

Em uma coluna de 2016, já apontava para a necessidade de investimentos nos assentamentos precários, ou seja, espaços de péssimas condições de moradia que sofrem com falta de oferta de serviços básicos e que concentram a grande maioria de homicídios na Capital. Temos uma população de cerca de 1 milhão de pessoas vivendo em tais situações, segundo dados do Plano Fortaleza 2040. De lá para cá, muito pouco foi feito no sentido de mudar essa configuração. Qualquer medida na área da segurança municipal que desconsidere tais pessoas está fadada a ser mais um paliativo. A campanha está só começando. Retomaremos essa questão nos próximos artigos.

 

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