Logo O POVO+
Eleições sitiadas
Foto de Ricardo Moura
clique para exibir bio do colunista

Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

Eleições sitiadas

O município de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), ostenta um incômodo título: o de primeira cidade no Brasil a receber o envio da Força Nacional durante todo o período das eleições. Nos últimos dois anos, as tropas federais já haviam sido acionadas para intervir no Ceará nas duas ondas de ataques de facções criminosas, em janeiro e setembro do ano passado, bem como no motim da Polícia Militar ocorrido em fevereiro.

A portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública, publicada no último dia 29, afirma que a medida tem como objetivo "a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, em caráter episódico e planejado, a fim de garantir a inviolabilidade das urnas, o respeito à soberania popular e à livre escolha de prefeito e vereadores".

Denúncias de ameaças contra candidatos a prefeito e a vereador motivaram a necessidade de reforçar a atuação da Polícia Federal em Caucaia. O caso mais recente ocorreu na segunda-feira passada, dia 26, quando o candidato a vereador pelo PSB, Evangelista de Sousa Jerônimo, o "Batista da Banca", foi encontrado morto dentro de sua própria residência, no bairro Nova Metrópole. O corpo apresentava marcas de faca.

Conforme relatos de pessoas que o conheciam, Batista da Banca havia vendido o carro naquele mesmo dia para custear as despesas de campanha. Os vizinhos desconfiaram do fato de o candidato não ter saído para trabalhar, algo que costumava fazer todos os dias mesmo na campanha eleitoral. Até o momento, não há informações sobre a autoria do crime.

Caucaia é um dos principais municípios afetados pela metropolização da violência, fenômeno apresentado nesta coluna no início do ano. Entre 2013 e 2019, a participação da Capital no total de assassinatos do Estado caiu de 45% para 29,7%. Os homicídios na Região Metropolitana, por sua vez, saltaram de 21,2% para 31,1%. A Área Integrada de Segurança (AIS) em que Caucaia está inserida viu a curva de violência letal ascender fortemente em 2017. De lá para cá, os índices não recuaram mais aos patamares anteriores.

Em fevereiro, Caucaia registrou uma média de mais de dois homicídios por dia. Boa parte desse pico de violência pode ser explicada pelo surgimento do "Comando da Laje", uma dissidência local do Comando Vermelho (CV). Apontado como líder do grupo, Alban Darlan Batista Guerra, mais conhecido como 'Darlan', entrou para a lista dos criminosos mais procurados do Ceará, com recompensa no valor de R$ 10 mil.

Darlan foi morto em julho, na zona oeste do Rio de Janeiro, durante confronto com policiais civis. Uma pistola e um carro de luxo foram apreendidos. O traficante possuía dois mandados de prisão em aberto além de responder criminalmente por homicídio, tentativa de homicídio, disparo de arma de fogo e tráfico de drogas.

Embora reste menos de 15 dias para a votação, o risco de que mais municípios possam vir a receber reforços do Governo Federal não está descartado. Em 2018, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Ceará demandou ao governador do Estado, Camilo Santana, que solicitasse a presença das Forças Armadas em cinco cidades: Fortaleza, Caucaia, Maracanaú, Juazeiro do Norte e Sobral. A motivação teria sido a atuação ostensiva de facções criminosas no processo de intimidação de eleitores.

Ao contrário do que ocorre em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, não há evidências de candidatos ostensivamente apoiados pelo crime organizado. Em vez de uma campanha a favor, temos no Ceará a tentativa de boicote a determinados candidatos identificados como adversários dos interesses das organizações criminosas.

O relatório "Violência Política e Eleitoral no Brasil - Panorama das violações de direitos humanos de 2016 a 2020", elaborado pelas organizações Terra de Direitos e Justiça Global, revela que a cada 13 dias é registrado pelo menos um caso de ataque à vida contra representantes de cargos eletivos, candidatos ou pré-candidatos no Brasil. A pesquisa mapeou 327 casos de violência política ocorridos entre 1º janeiro de 2016 e 1º de setembro de 2020. Foram registrados 125 assassinatos e atentados no período.

O Ceará aparece com destaque nessa lista, com 11 casos contabilizados, dividindo o segundo lugar do ranking com Minas Gerais, Maranhão e Pará. A estatística não inclui a morte de Batista da Banca. O Rio de Janeiro ocupa a primeira posição, com 18 assassinatos. Ainda segundo o mesmo levantamento, em 63% dos casos não há indicação de autoria do homicídio. Pelo menos na política, a impressão que se tem é que o crime vem compensando. E muito.

Foto do Ricardo Moura

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?