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Após um ano do motim da PM, homicídios e mortes por intervenção policial aumentam no Ceará
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

Após um ano do motim da PM, homicídios e mortes por intervenção policial aumentam no Ceará

Tipo Opinião

Entre 18 de fevereiro e 2 de março de 2020, policiais militares do Ceará promoveram um motim após uma negociação salarial frustrada com o Governo do Estado. A paralisação foi marcada por invasões a batalhões, viaturas retiradas de circulação e homens encapuzados armados nas ruas, gerando uma sensação de insegurança generalizada. Após investir contra os amotinados conduzindo uma escavadeira, o senador Cid Gomes (PDT) foi baleado no município de Sobral (CE). Os assassinatos aumentaram 417% no período.

A participação do Governo Federal no episódio foi controversa. Atendendo a um pedido do governador Camilo Santana, o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), permitindo o envio de forças federais ao Ceará. O Exército reforçou sua presença reforçada no território cearense e agentes da Força Nacional foram destacados ao Estado. As principais vias de circulação de Fortaleza passaram a contar com a vigilância das Forças Armadas.

O então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, dirigiu-se ao estado para acompanhar os desdobramentos do motim. Embora tivesse afirmado que a paralisação é ilegal, como afirma a Constituição Federal de 1988, não houve uma reprimenda pública aos amotinados. Durante uma live, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a GLO não poderia ser estendida por tempo indeterminado e responsabilizou o Governo do Estado pelo ocorrido. As declarações dúbias foram interpretadas como um apoio velado do Governo Federal ao movimento.

O motim só foi debelado após uma série de negociações envolvendo uma comissão de representantes dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário além da perspectiva de que não haveria anistia aos militares envolvidos por parte da Assembleia Legislativa. De acordo com a Controladoria-Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD), 246 militares foram afastados e respondem a processos administrativos disciplinares. Conforme o Ministério Público do Ceará, 130 PMs foram denunciados por ligação ao motim e 22 foram acusados por promover motim em tempos de paz. Ninguém, até agora, foi condenado.

Um ano depois do motim, o cenário da segurança pública no Ceará se deteriorou. Com o advento da pandemia do Coronavírus e a consequente sobrecarga no policiamento ostensivo, a tarefa de avaliar a repercussão do motim da PM sobre os números da violência letal se tornou impossível.

Feita a ressalva, vale destacar que os assassinatos voltaram a crescer no período. Em 2019, o Estado registrou 2.259 crimes violentos letais intencionais (CVLI), definição técnica para crimes relacionados à vida como homicídio doloso/feminicídio, lesão corporal seguida de morte e roubo seguido de morte (latrocínio). No ano passado, esse número chegou a 4.039, configurando um aumento de 79%.

Em janeiro deste ano, o Ceará contabilizou 306 homicídios, número superior aos 265 registrados em janeiro de 2020. A perspectiva para os próximos meses não é animadora quando há diversos relatos de chacinas e de crimes cometidos de forma brutal tanto na Capital quanto no Interior.

As mortes por intervenção policial também aumentaram. Em 2019, foram registradas 136 ocorrências do gênero. Em 2020, esse número cresceu para 145, com um recorde em se tratando de apenas um mês: 35 casos em abril, em pleno decreto de isolamento social. Em janeiro deste ano, o Ceará contabilizou 20 mortes por intervenção policial, o número mais alto desde então.

Diante desses desafios, o que se pode destacar é uma anuência velada aos policiais militares pelo próprio Governo do Estado. Crimes graves foram cometidos por PMs em serviço sem que fossem devidamente investigados e punidos. Tais casos também não mereceram uma condenação pública tanto do governador quanto dos dois secretários da Segurança Pública que atuaram desde então.

Os órgãos de controle e de fiscalização da atividade policial precisam ser reforçados para quem possam dar uma resposta rápida e eficaz aos desvios ocorridos na corporação até mesmo para que a possibilidade novos motins seja evitada. Não é o que vemos, por enquanto. A grande novidade na área da segurança pública foi o anúncio, em dezembro, de mais um concurso público para a Polícia Militar com 2,2 mil vagas. É importante que o efetivo seja reforçado, mas a formação e a punição dos maus militares não podem ser deixadas de lado sob o risco do que ocorreu em fevereiro de 2020 se torne realidade mais uma vez.

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