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O que pode a sociedade no campo da segurança pública?
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

O que pode a sociedade no campo da segurança pública?

Por muito tempo, a sociedade civil manteve-se distante do tema segurança pública, assunto pejorativamente considerado como "coisa de polícia". O avanço da criminalidade e o incremento da violência em níveis absurdos, contudo, fizeram com que a sensação cotidiana de insegurança se tornasse uma pauta inescapável em qualquer roda de conversa. Diante desse cenário, as pessoas e as organizações foram percebendo que precisavam participar desse debate de forma mais articulada.

O Fórum Popular de Segurança Pública do Ceará (FPSP Ceará) surgiu em novembro de 2017 como uma resposta a essa inquietação. Seu principal objetivo é ser um espaço de debates, monitoramento, denúncias e formulação de proposições no campo das políticas públicas de segurança a partir de uma articulação entre entidades, movimentos sociais, coletivos, organizações da sociedade e pesquisadoras/es ao qual também faço parte.

Nesse período, o Fórum vem atuando na realização de manifestações, redação de notas públicas e promoção de seminários e encontros sobre a temática. O maior ganho durante esse processo talvez seja a formação de novas lideranças surgidas justamente entre as principais vítimas das insuficiências e desacertos da ação governamental na área. Mães que tiveram filhos mortos em chacina, familiares de presos e de internos do socioeducativo e líderes comunitárias passaram a ter voz ativa na discussão sobre segurança pública, ocupando um espaço antes restrito aos "especialistas".

A experiência de uma articulação estadual sobre segurança gerou frutos. Vários estados do Nordeste agora têm seus fóruns que se organizam em uma instância mais ampla: o Fórum Popular de Segurança Pública do Nordeste (FPSP NE). A preocupação não é à toa, haja vista o avanço dos homicídios na região, no que vem sendo chamado de "nordestinização da violência letal". Como uma forma de intervir na formulação de políticas públicas, pré-conferências locais e conferências estaduais serão realizadas até novembro.

De acordo com a coordenação do FPSP Ceará, o objetivo da iniciativa é construir, de maneira popular, propostas para a segurança pública a serem entregues ao Governo do Estado no começo do ano que vem. No Ceará, as conferências populares já começaram. Dois encontros foram realizados e oito estão agendados, mas a expectativa é que o número aumente. No último sábado, dia 20, moradores do Lagamar participaram de uma pré-conferência cujo tema foi "Mais direitos, cultura e vida para as juventudes da favela". Conforme Adriana Jerônimo, presidente da Fundação Marcos de Bruin e membro do Fórum, os jovens daquele território abordaram como pautas prioritárias a prevenção, o acesso aos equipamentos de cultura e lazer, a geração de emprego e renda e as possibilidades de desenvolvimento da população de forma mais estrutural.

A formação policial também foi debatida no encontro: "Refletimos sobre a necessidade de formar os agentes públicos de segurança em direitos humanos, para que tenham uma visão mais sensível e humana frente às vulnerabilidades das periferias. Foi muito interessante para o grupo a descoberta de que a segurança pública pode e deve ser a partir do povo", afirma Adriana Jerônimo.

O exemplo do Lagamar ilustra perfeitamente como a participação cidadã é necessária no debate acerca da segurança pública. Questões como desenvolvimento e geração de renda sinalizam a apreensão dos jovens da periferia com o futuro que se desenha e só reforçam a concepção de que o tema é complexo demais para ser tratado pelo binômio clássico "mais efetivo / mais equipamento".

O primeiro mandato do governador Camilo Santana terminou sem que o Ceará Pacífico passasse por algum processo de avaliação ou de prestação de contas. A redução do número de homicídios é um fato bastante positivo, mas não isenta o Governo do Estado de questionamentos sobre sua atuação. Em um momento no qual a cidadania é uma palavra desgastada, a experiência das conferências não deixa de ser um sopro de novidade no modo de se fazer política.

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