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Ceará tem média de cinco desaparecimentos por dia
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

Ceará tem média de cinco desaparecimentos por dia

Tipo Opinião

É cada vez mais comum nos depararmos com relatos de pessoas desaparecidas nas redes sociais. A percepção de que se trata de um problema grave encontra respaldo nas estatísticas oficiais. Conforme dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), o Ceará registrou uma média de cinco desaparecimentos por dia em 2019. Em números absolutos, foram registrados 1.912 casos.

Para se ter uma dimensão do que representam os desaparecimentos, basta compará-los com os números de homicídios. Em 2017, o número de pessoas desaparecidas era o equivalente a 44,9% do número de pessoas assassinadas (2.033 desaparecidos versus 4.518 homicídios). No ano passado, esse percentual subiu para 93,4%, ou seja, a quantidade de desaparecimentos permaneceu estável enquanto os homicídios caíram: 1.912 versus 2.046, respectivamente.

A comparação entre os dois indicadores não visa ao estabelecimento de uma relação direta entre desaparecimentos e mortes violentas, embora haja situações em que isso aconteça. Não é raro que pessoas declaradas "desaparecidas" apareçam mortas em questão de dias. Confrontar essas duas ocorrências em paralelo serve como uma demonstração de que os desaparecimentos representam uma questão séria para as políticas públicas de segurança, não devendo ser menosprezados.

O problema despertou até mesmo a atenção de órgãos internacionais. Desde 2018, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) trabalha com a questão do desaparecimento no Ceará por meio da aproximação a familiares de pessoas desaparecidas, bem como do acompanhamento técnico a autoridades estaduais e municipais no sentido de criar um mecanismo para melhorar a busca, localização e identificação de pessoas desaparecidas e a resposta às necessidades dos seus familiares.

Em 2019, a exposição A Falta que Você Faz apresentou no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura as histórias de 19 famílias de pessoas desaparecidas, com o intuito de chamar a atenção da população e das instituições no Ceará sobre um problema que aflige milhares de pessoas, mas teima em permanecer invisível para um segmento bastante expressivo da sociedade.

Em julho de 2018, o Governo do Estado criou a 12ª Delegacia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), especializada em investigações envolvendo pessoas desaparecidas. Desde sua implementação até dezembro de 2019, a delegacia registrou 806 desaparecimentos, uma média de 44 casos mensais.

Mesmo contando com uma equipe bastante reduzida, diante do expressivo volume de ocorrências, o percentual de pessoas localizadas, vivas ou mortas, chega a 69,9%. O lado meio vazio do copo revela que, até o fim do ano passado, 242 pessoas encontravam-se com seus paradeiros ainda desconhecidos.

De acordo com os dados mais recentes divulgados à imprensa, pessoas jovens (de 12 até 29 anos) e do sexo masculino representam o perfil da maioria dos desaparecidos. Conforme dados da SSPDS enviados à coluna, pessoas com o ensino fundamental incompleto são a grande maioria dos desaparecidos, com 54,8%. Em seguida, vêm os quem possuem o ensino médio completo (13%). Casos envolvendo desaparecidos com nível superior de escolaridade, seja ele completo ou incompleto, representam apenas 5,3% dos casos.

As primeiras 24 horas são cruciais para a localização da pessoa ainda viva. Mapear a hora e o dia em que os casos acontecem pode ser uma ferramenta valiosa na gestão do atendimento a esse tipo de ocorrência. O período da manhã, das 6h às 12, concentra o maior percentual de ocorrências (37,3%), seguido pelo turno da tarde (das 12h às 18h), com 30,4%. Embora estejam bem distribuídos ao longo da semana, os dias com mais registros de desaparecimento são sábado (16,3%) e sexta-feira (15,9%).

Famílias que contam mais recursos, sejam eles financeiros ou de capital social, tendem a obter maior mobilização e repercussão midiática em torno de seus desaparecidos. O Sistema Nacional de Identificação e Localização de Desaparecidos (Sinalid) foi criado com o objetivo de sistematizar as informações e estatísticas relativas aos desaparecimentos, prestando auxílio a quem não dispõe de uma rede de relações tão forte.

No Ceará, a fragmentação ainda é uma marca bastante presente nas atividades de localização e identificação. Embora o Estado já tenha dado os primeiros passos na consolidação do Sinalid em âmbito estadual, é preciso avançar no que tange à integração dos atores institucionais e nos recursos destinados aos órgãos que lidam diariamente com essa questão.

Conhecendo as pessoas que se dedicam a essa causa no cotidiano, não é preciso de muita coisa para que o Ceará se torne uma referência nacional nessa área. Basta que o assunto seja tratado com a prioridade devida.

 

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