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Crimes contra patrimônio crescem; roubos a pessoas caem durante o isolamento social
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Ricardo Moura é jornalista, doutor em Sociologia e pesquisador do Laboratório da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV/UFC)

Crimes contra patrimônio crescem; roubos a pessoas caem durante o isolamento social

Roubos e furtos no Ceara de pessoas e de veiculos (Foto: luciana pimenta)
Foto: luciana pimenta Roubos e furtos no Ceara de pessoas e de veiculos

Os homicídios são o principal indicador em se tratando de estatísticas criminais por, pelo menos, dois motivos: referem-se ao nosso bem mais valioso, a vida, e são menos subnotificados. Já mostrei neste espaço que, no Ceará, os assassinatos aumentaram durante o isolamento social na comparação com o mesmo período do ano passado. O mês de abril nunca havia registrado tantos homicídios como durante esta pandemia. Um olhar mais atento aos demais indicadores criminais, contudo, também nos revela muitas surpresas no que diz respeito às dinâmicas do mundo do crime.

Desde 2013, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) padronizou seus indicadores e vem atualizando os dados regularmente. Os homicídios se enquadram nos Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI). Roubos a pessoas e de documentos fazem parte dos Crimes Violentos ao Patrimônio 1 (CVP 1), enquanto roubos a residência, roubos com restrição de liberdade, roubos de carga e roubos de veículos se inserem nos Crimes Violentos ao Patrimônio 2 (CVP 2). Feita essa explicação, vale dizer que o tema da coluna de hoje são os CVPs.

Após apresentarem baixos índices ano passado, os roubos a pessoa e de documentos começam 2020 em alta, com média de 140 ocorrências diárias. Em fevereiro deste ano, mês em que aconteceu o motim na Polícia Militar, os índices se elevaram ao maior patamar desde junho de 2016, atingindo uma média de 224 casos por dia. A paralisação dos policiais foi um episódio que modificou completamente o cenário da segurança pública no Estado, fazendo com que os números da criminalidade disparassem e se mantivessem em níveis elevados após o retorno das atividades policiais.

Mesmo com o isolamento social sendo decretado na segunda quinzena do mês, março registrou uma média elevada de CVPs 1: 154 ocorrências diárias. O cenário, contudo, foi drasticamente modificado em abril, período em que uma versão mais rigorosa do isolamento social foi decretada. Os roubos a pessoa nunca estiveram tão baixos, apresentando média inferior a 100 casos por dia. Com menos circulação de pessoas nas ruas, as oportunidades para essa modalidade de ação criminosa também diminuíram. A estatística mostra esse fenômeno de forma nítida. Se as pessoas estão mais em casa, o alvo dos criminosos também se desloca.

Os roubos a residência, de carga e de veículos também atravessaram o ano todo de 2019 em queda, com os menores índices para cada mês na série histórica. Janeiro de 2020 apontou para uma pequena alta nos indicadores, com média de 19 ocorrências diárias. Muito por causa da paralisação dos policiais militares, esse número dobrou em fevereiro, fazendo com que os crimes contra o patrimônio atingissem uma média diária de 44 ocorrências.

Desde o início do isolamento social, contudo, os patamares se mantêm bastante elevados. Março e abril de 2020 se tornaram os meses com maior quantidade de CVP 2 da história na comparação com março e abril dos anos anteriores. É possível observar um movimento de migração de uma atividade criminal para outra nesse período como uma forma de sobrevivência à nova conjuntura trazida pela pandemia.

A política de segurança pública de contenção enfrenta, desde fevereiro, uma sobrecarga em suas funções. O motim deixou marcas na corporação, mesmo entre os policiais que não aderiram ao movimento. Seria natural que houvesse algum impacto no policiamento, repercutindo diretamente nos índices de criminalidade, mas a expectativa era a de que as ocorrências criminais pudessem retornar a níveis anteriores à paralisação em algum momento.

A incidência da pandemia obrigou os governos a criarem uma estratégia de fechamento de estabelecimentos comerciais e desmobilização de aglomerações. Isso ocorreu no pior momento possível para os órgãos de segurança do Ceará. O resultado, como pode ser visto nas estatísticas, foi uma escalada nos crimes contra o patrimônio e nos atentados contra a vida. Trata-se de mais um desafio com o qual a população tem de lidar além de evitar ser vítima do contágio pelo coronavírus.

O que virá pela frente ainda é uma incógnita. As atividades econômicas voltam a operar de forma gradual nesta segunda. Não sabemos como será a trajetória de disseminação do vírus daqui para frente e nem quais os desdobramentos que esse "novo normal" terá no policiamento. O cenário que se desenha, no entanto, não é nada otimista. Infelizmente.

 

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