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A vacina e a ignorância
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

A vacina e a ignorância

Talvez por ter pisado em rastro de corno (tudo começou com aquele 7 a 1 para a Alemanha), o Brasil retrocede a olhos vistos. Emburreceu, apequenou-se, ao tempo em que vem perdendo todo o charme, aquele soft-power que lhe era característico. Hoje um pária planetário, com quem ninguém quer conversa ou negócio, vê sua economia em frangalhos, a nulidade de políticas e projetos, o atrelamento ridículo ao Grande Irmão do Norte, este comandado por outra besta quadrada, enquanto amarga quase 160 mil mortes pela pandemia. Contudo, nada disso abala o ânimo de Zebu, a epítome do pobre de direita. "Ok, desemprego monstro, fome campeando, educação, saúde e habitação na lona, mas o homem é o tal", muge, pedindo algum para inteirar a conta da feira.

Octanado por umas cangibrinas a mais, afirma que não tomará de modo algum a falada vacina chinesa. "Eles vão botar chips no sangue da gente para nos controlar, isso sim, mãh!", ajeitando o chapéu de dez reais feito de papel na China. Aí, o pensamento voou e foi parar no Rio de Janeiro, em 1904. De um lado, Rodrigues Alves, Oswaldo Cruz e Pereira Passos, e do outro, agitadores de todo tipo, entre estes muitos militares, no seu eterno ofício de conspiração. No meio da contenda, o povo, morrendo às mancheias de varíola. A ciência posta em prática de forma autoritária e a resistência popular estimulada pelos golpistas de sempre. A Revolta da Vacina foi também usada para remodelar o espaço urbano carioca, demolindo cortiços e gerando favelas. A História é a tal.

Mas, no bar, Zebu volta à carga. Sem máscara e lançando perdigotos ao léu, externa o que rumina: "Exijo respeito à minha pessoa, à minha vontade, à minha liberdade de decidir!". Quase abafado por um sonoro flato dado com a boca, ouve-se o argumento de alguém que ainda tem paciência para discutir com tipos do tipo: "Amigo, você não está só no mundo, vive em sociedade. Já pensou que pode estar infectando os outros? Psicopatia e negacionismo não são remédios para a doença". Bufando e babando, a custo Zebu foi contido pelos colegas de balcão. De camisa xangai, celular xing-ling e tênis pequinês, urrava: "Tem que privatizar o SUS!". Risos mil. Dias depois, o coronaro quase fez isso, além de chamar de boiola quem bebe Guaraná Jesus. Ai, Jesus meu!

Em tempos de médicos anti-ciência, qual a vacina contra a ignorância? Onde será que erramos? Estamos na ante-sala de outra Revolta da Vacina? Quando os crimes de responsabilidade do presidente da República, previstos na Constituição Federal e amplamente praticados pelo atual ocupante do Planalto, lhe vão ser devidamente cobrados? Pantanal e Amazônia em chamas, dólar a R$ 6 e o sujeito, em plena peste, propõe a privatização de um sistema de saúde público que salvou milhões de vidas da moléstia, agora em sua segunda onda mortal. Ah, Zebu, és uma barata viciada em baygon. Diz aí, Lao-Tsé, meu caro sábio chinês: "Quem conhece a sua ignorância revela a mais profunda sapiência. Quem ignora a sua ignorância vive na mais profunda ilusão" 再见!*

(* A expressão em chinês significa "até mais")

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