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Temporada de caça
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Temporada de caça

Tipo Opinião

Caro(a) leitor(a), quantas vezes você não leu/ouviu que esta Loura Favelada do Sol é uma cidade desmemoriada e que não cuida do seu patrimônio cultural? Que o cearense adora lembrar seu passado, mas não de preservá-lo? Que este torrão é o túmulo da história e da memória? Muitas, não? Andar por Fortaleza é um lamento que não tem fim: Que é daquela casa que ficava ali? O que aconteceu com aquele simpático sobradinho, que ninguém o reconhece mais? Para onde foi aquele renque de árvores, viraram lenha? E assim, de déu em déu, vai se enchendo o coração de tristeza e saudade. Nós, arquitetos com algum sentimento, sofremos horrores. Se antes eram os velhos prédios que se iam, agora são os que foram construídos recentemente que se vão. É, dá pena.

Dia desses, indo dar aula na Escola de Arquitetura da UFC, deparo, para meu espanto, com a mudança da fachada da sede da Fiec. Projetado em 1985 e fruto de um concurso realizado no ano anterior, o edifício, com seu majestoso vão longitudinal, tão logo inaugurado, inscreveu-se no rol das obras célebres da arquitetura moderna cearense, com destaque ainda para os brises azuis dos seus alçados norte e sul. O antigo estagiário do escritório que projetou a obra que ainda mora em mim pensou: "Ah, como deu trabalho calcular a geometria solar e criar beleza, para dar nisso aí... Será que obtiveram a autorização dos autores da proposta original para fazer isso?". Irônicas, as vidraças da face sul refletiam a Torre Quixadá, riscada por um conhecido desenhista da prefeitura...

Na tarde desse mesmo dia, fui com um colega à Barra do Ceará para ver o que estavam fazendo com uma unidade do Sesi. O complexo era marcado por um belo conjunto de abóbadas em cerâmica armada, projeto magistral de Severiano Mário Porto, calculado pelo engenheiro-arquiteto uruguaio Eladio Dieste. Em lá chegando, demos de cara com um cenário à la Hiroshima: Os elementos estruturais sendo demolidos a britadeira, montanhas de entulho, ferragens retorcidas, terra arrasada. Com o coração trespassado, batemos em retirada. "Aqui seguiu-se apenas, talvez de modo mais radical, o exemplo da instituição-mor", comentei com o meu colega. Na saída, o cadáver de um vira-lata na calçada, sem ferimentos. "Um cão fã de arquitetura, morto de enfarte...".

Na penosa volta pela Francisco Sá, uma dúvida assaltou-nos: "Será que depois do que fizeram com o barroco, o neoclássico, o ecletismo e o proto-moderno, está aberta a temporada de caça ao modernismo em Fortaleza?". Com efeito, o que se deu com o Esplanada Hotel, o Castelão, o Centro de Convenções e o Clube dos Diários faz pensar e muito. Implantados em áreas de grande valorização imobiliária, os imóveis são alvo freqüente da especulação, que não reconhece o seu valor cultural. De outra parte, não há uma política que os identifique e documente e defina sua proteção e promoção com novos usos. No caminho, resolvemos passar pela antiga sede do Daer. "Você sabia que o Estado quer se livrar desse prédio?", disse-me meu colega, a voz emocionada.

 

Foto do Romeu Duarte

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