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Mundo às avessas
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Mundo às avessas

Tipo Crônica

Misturar os interesses pessoais com os interesses do país, privilegiando-se aqueles em detrimento destes. Ser politicamente incorreto, defender o nepotismo descarado, aliás, para o meu filhote vai ter sempre filé, para os outros, carne de pescoço, e se tiver. Quando os fatos não baterem com o que eu penso, danem-se os fatos, acima de tudo está a minha verdade, para que serve a ciência, por exemplo? Censura, tortura, ditadura, tudo frescura, nunca houve nada disso, o que vale é a minha história. Quer saber como teu pai morreu, cara? Senta aqui na cadeirinha do dragão que eu te conto. Quem gosta de osso é cachorro. Ah, meu caro brilhante ustra, como me frustra quem te deslustra. Polícia, milícia, sevícia, malícia, tudo é rima, tudo é solução, não?!

Ia no ônibus tecendo em sua cabeça uma fieira com os absurdos, os impropérios, as sandices, as grosserias, todo o palavrório de fel que a autoridade máxima proferira nestes últimos oito meses. A tal figura não descera do palanque eleitoral nem vestira a roupa de presidente ainda. Prestidigitador dos bons, fazia-se direitinho de doido, uma mão dando cotoco e a outra assinando documentos que desmanchavam o país. Seguia para a aula na universidade pública, onde tinha entrado graças às cotas, a mesma que agora tinha um reitor nomeado contra o querer da comunidade universitária. Estudava Física, aquela matéria que animava os satélites que registravam as queimadas e os desmatamentos na Amazônia e desgostava os terraplanistas. É, dureza...

De repente, viu que tomara o Pici/Unifor, linha que agora operava com auto-atendimento. O motorista já o encarava, entre aborrecido e intrigado, receoso de que seria mais um a viajar de graça por não ter o cartão. O destino ainda estava longe, dava para fazer de conta que estava ali na frente por gosto. Via as pessoas no seu universo particular, alisando celular, muitos fones de ouvido plugados. A cena do governador carioca comemorando o assassinato do sequestrador como se estivesse em um campo de futebol passava em uma dessas tais aporrinholas eletrônicas. "Bandido bom é bandido morto", disse um desdentado ao lado, que talvez não soubesse onde andava seu filho naquele momento. Aliás, tinha cara de índio, gente com a cabeça a prêmio hoje em dia.

Chegara à porta do campus, na Humberto Monte. "Desculpe, não tenho cartão, nem vi que era auto-atendimento. Aceita dinheiro?", disse ao motorista. Irado, o condutor, um mulato chegado à maranata, respondeu-lhe entre dentes: "Você é um vagabundo, cabra safado. A universidade é para rico, não para um negro fuleiragem como você. Vai-te embora, carniça, e leva esses teus couros de rato contigo!". Sentiu-se como que fuzilado, pior ainda por ter sido maltratado por um igual. Decidira ir a pé até o seu departamento. Foi aos poucos se sentindo mais aliviado ao caminhar sob as muitas árvores. A bela vista do Açude Santo Anastácio lhe fazia bem. Em lá chegando, a aula já havia começado. Dinâmica.

As três leis de Newton. Forças, ação e reação, repouso e movimento. Eureka!!!

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