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Fim de caso
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Fim de caso

Tipo Opinião

Pois é, loura, como diz a letra do velho samba-canção cantado pela Dalva de Oliveira, tudo acabado entre nós, já não há mais nada. Agora entendo o que o Paulo Mendes Campos quis dizer quando afirmou, em uma famosa crônica sua, que o amor acaba, "em todos os lugares e a qualquer hora". Começamos tão bem: eu, no verdor dos meus quinze anos, logo que te vi, com teu colar de espumas e todo o gás, por ti fiquei caído. Sim, é bem verdade que sofri os rudes efeitos de uma paixão adolescente e inexperiente por uma mulher mais velha e melíflua, traduzidos em três dias de mal estar. Mas, para mim, o que houve entre nós naquele início de idílio era só o prenúncio de um tórrido caso de amor eterno, um vício invicto. Agora, às lágrimas, vejo que não, errara feio...

Mais de quatro décadas juntos, nas vitórias e nas derrotas, nas alegrias e nas tristezas que nos enchem as taças nos bares da vida. De tanto encontrar-te, conheci tuas manhas, de ti fiquei íntimo, fiz-me resistente para enfrentar teus fermentados caprichos. Por muito saborear-te, gostosa, criei uma barriga que hoje prezo como um patrimônio, talvez a grande riqueza que construí ao teu lado, a história da nossa relação. Se te fui fiel estes anos todos, querida? Digo-te apenas que fui mais constante contigo porque me deste muito mais prazer que as outras, até conhecer uma que virou a minha cabeça e que merecerá especial menção no último parágrafo. Não, loura, não chores, que tua essência de água, malte e lúpulo amargará, vamos tomar esta saideira em copos limpos.

O certo é que, nos últimos tempos, enfadei-me de ti. A dura rotina diarista mais estes teus novos modos afetados, para não dizer gourmetizados, fizeram com que de ti me distanciasse. Trocaste tua deliciosa simplicidade pilsen pelas tais brassagens artesanais que me embrulham o estômago. Tu, que dançavas qual uma passista sobre os balcões dos botequins e bodegas, és agora uma diva lânguida e misteriosa que só se deixa consumir por muito dinheiro nas breweries mais chiques desta cidade. Ostentas tudo que me é antipático: teu alto teor de álcool, o design cult-bacaninha, teus connoisseurs barbudinhos que de tudo sabem, o falso brilho das coisas vãs e, principalmente, teu caro preço, sensaborão. Piorei eu ou pioraste tu? De amada a amara é só trocar uma letra.

Chegou a hora do adeus. Até quem sabe um dia, já que onde foi palácio será sempre, ao menos, tapera. Não, nem médico nem bruxo, ninguém me pediu para deixar-te, foi de caso pensado mesmo, decisão minha. Apaixonei-me por outra, clara, branquinha, que hoje reina no etílico altar da minha devoção. Um amor destilado com cheiro de rapadura e mel de engenho das Minas Gerais. E o pior é que ela parece cumprir teu mesmo destino: de moça singela e recatada transforma-se em fêmea fatal e insinuante, provocando olfatos e paladares. "Eu me libertei para ser cativo de uma outra ilusão", riria de mim Lou Reed, citando a si próprio. Foi bom, muito bom enquanto durou, gelada. Agora vai-te, que a danadinha vem aí, pegando fogo. Garçom, traga mais uma dose do meu amor.

Foto do Romeu Duarte

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