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De Carnaval e pesadelos
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

De Carnaval e pesadelos

Tipo Crônica

À memória de Joãosinho Trinta

De repente, vi-me sobrevoando um corso imenso que se dava em uma via processional cujo comprimento era o da Domingos Olímpio somado ao das que conformam os sambódromos país afora. Nas arquibancadas, vestidos de preto, anti-foliões lamentavam sua sorte num pranto em cascata. Na extensa procissão só havia uma única escola de samba, a Unidos no Choro e Ranger de Dentes do Hospício Brasil, composta por alas que brigavam entre si para ver quem sambava pior. Flutuando em pleno ar, disputando o espaço com uma multidão de drones, divisei a comissão de frente. Liderando o desfile, nosso presidente, dentro de um forte apache cheio de generais, dava bananas para o público, enquanto um de seus camaradas, colérico, babava no pijama-de-força.
Na seqüência, muito apupado, veio o carro dos Parceiros da Rachadinha, com destaque para a primeira-dama, com um vestido de R$ 40 mil, bancado pelo factótum queiroz, vindo das sombras só para sair na festa. Emoldurando a cena, os três filhotes do presidente, o primeiro fritando hamburgers numa chapa ambulante, o segundo com uma mala cheia de dinheiro e um celular pregado no ouvido e o terceiro num traje-soirée pink-escândalo. Distanciado, mas ligado aos outros pela safadeza, o bloco do Power That Don’t Be, formado por deputados federais e senadores se fazendo de doidos inocentes. Atrás, o Arrastão do Direito de Direita exibia como sensação um certo ex-juizeco, com seu disfarce de lawfare, e ministros do stf enfiados em suas togas (fantasias?).
Vaiadíssimo pelos presentes, o imenso Maracatu dos Policiais Milicianos exibiu uma coreografia inusitada: entraram fardados na avenida, foram para trás de um biombo e de lá saíram armados e de balaclava na cara, gritando palavras de ordem de dentro de um carro alegórico que era a mistura de um caveirão com a paisagem do condomínio Vivendas da Barra Pesada. O estranho balé tinha um elemento de realce: um brincante, doublê de tira e deputado, ia de um lado a outro para tentar salvar a candidatura a prefeito. E tome vaia. Na contra-mão, a Turma do Partido do Trator entoava seu canto de guerra: “Vade Retro-Escavadeira, Satanás miliciano!”. Súbito, estrondos. Pensei que eram fogos de artifício, mas eram tiros. Fui para a dispersão. Lá estava o governador: esfinge.
Tenho que dizer que, antes do desfile principal, vários blocos de sujos deram o ar da graça nessa minha versão da Marquês de Sapucaí: O Cão Que Lattes Mas Não Morde, integrado por professores mais preocupados com o currículo e o pós-doutorado do que com a realidade; o Arranco dos Pobres de Direita, com seu choroso samba-enredo “Adeus, Disney”; os Empreendedores da Própria Miséria, em suas motos e bikes, carregando comida de aplicativo; e o Lula Livre, com sua marchinha de verso solitário “É só isso mesmo”. Acordei suando frio e com taquicardia. Misturar Claudionor, cerveja canela-de-pedreiro e fava com toucinho dá nisso. Água e sábado gordo, para que os quero. Pois é, lembrança de um carnaval que virou cinza bem antes da (mal)dita quarta-feira.

 

Foto do Romeu Duarte

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