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A casa, a cidade e o vírus
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

A casa, a cidade e o vírus

A Fabrício Pombo 

Perguntam-me sobre o que vai ser da casa e da cidade pós-pandemia. Leio nos magazines virtuais que os vendedores de melhoral arquitetônico e urbanístico já anunciam suas mirabolantes soluções para o "novo normal" (argh!): casas portáteis, casas montáveis e desmontáveis, casas feitas de peças de lego, cidades marinhas, cidades fluviais, cidades construídas no espaço sideral. De uma coisa tenho certeza: o vírus não vai interromper suas maldades por decreto, seja do (des)presidente, seja do governador, seja do prefeito. Antes, é preciso perguntar: que casa, que cidade? A desigualdade molda a nossa paisagem urbana. Um bangalô não é um barraco, assim como o Meireles difere do Pirambu. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa...

As pobres das moradas foram postas à prova nesta quarentena e mais ainda no lockdown. Quem antes saía cedo e chegava tarde foi obrigado a passar o dia inteiro no sagrado recesso do lar. Talvez por falta do que fazer, elegeu-se a análise dos ambientes como passatempo legal. Cômodos escuros, quentes, repartidos, sem iluminação ou ventilação natural, desconectados das áreas externas, com móveis em demasia, inóspitos, insalubres, inservíveis. Se até mesmo casas projetadas revelaram-se limitadas, o que dizer daquelas, imensa maioria nesta informal Loura Encarcerada do Sol, que não tiveram um mísero projeto em sua gênese? Quem sabe nós, arquitetos, não tenhamos uma baita encomenda de casas e reformas depois disto tudo? É, quem (sobre)viver, verá.

E a cidade lá fora, como se comportou na nossa clausura? O que ela está a nos dizer com suas calçadas cheias de limo e mato? Se nossas residências transformaram-se subitamente em espaços polifuncionais, onde se come, dorme, trabalha e faz live, parece que algo foi roubado dela. Será que a vida virtual, dos meetings nas telas das aporrinholas eletrônicas, nos basta agora? Ou será que os encontros presenciais tiveram o seu valor ultra-reforçado? Por falar nisto, qual será a nova ética das relações interpessoais? A paranóia em relação ao outro será a nossa nova norma de conduta? Será que vai se traduzir em desenhos no espaço urbano? Como usaremos doravante os transportes públicos? Até quando os brindes nos bares serão feitos a 1,50 m de distância?

A natureza deve estar nos agradecendo a nossa ausência nestes mais de dois meses de sumiço. Certamente o ar está mais puro, as águas estão mais limpas, apesar das tristes notícias sobre o desmatamento. Fico pensando se a tal pandemia não seria uma represália do planeta contra os terráqueos por ter sido chamado de plano (deve ter entendido "chato"). Poliana às avessas, não alimento grandes esperanças quanto ao progresso do gênero humano. Se a casa e a cidade são invenções nossas, só melhorarão se melhorarmos. Ficou claro que, mais do que artes de construir os espaços da moradia e os citadinos, a arquitetura e o urbanismo estão para a saúde pública assim como a ciência está para as doenças. Nossa labuta só faz sentido quando promove o homem.

 

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