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"Fake news" como estratégia de golpe de Estado
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Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO

"Fake news" como estratégia de golpe de Estado

A orquestração da "fake news" como instrumental para moldar o medo e o ódio da opinião público se perpetua na História brasileira, a sequência de articulações e acontecimentos que confluíram ao tenebroso Estado Novo traz pertinentes reflexões ao que almejamos ao Brasil do futuro
Tipo Análise
Capa do O POVO (11.11.1937) divulga a nova Constituição brasileira, apelidada de
Foto: Acervo O POVO Capa do O POVO (11.11.1937) divulga a nova Constituição brasileira, apelidada de "Polaca", inspirada no fascista modelo polonês, concedia a Getúlio Vargas poderes praticamente ilimitados

As eleições presidenciais no Brasil estavam marcadas para janeiro de 1938, Getúlio Vargas sustentava-se na Presidência com apoio das Forças Armadas. Desde a revolução de 1930 que o levou ao poder várias manifestações contestatórias, como a Revolução Constitucionalista de 1932, fragilizavam seu comando. A Intentona Comunista, em 1935, serviu para ampliar seu poder com a decretação de estado de guerra, renovado pelo Congresso Nacional até junho de 1937. A escolha de um sucessor ou protelação de seu mandato não encontrava guarida para a perpetuação de Getúlio Vargas.

O capitão Olímpio Mourão Filho (o mesmo que em 1964, quando general, deflagrou o golpe militar de apear João Goulart da Presidência da República) foi encarregado por Plínio Salgado (líder maior da Ação Integralista Brasileira – A.I.B.) de elaborar um boletim que instigasse a população para uma suposta ameaça comunista. A teoria conspiratória do Plano Cohen constava greves, violência armada, incêndio de prédios públicos, saques e depredações, prisões e assassinatos de ministros de Estado, congressistas e presidente do Supremo Tribunal Federal.

A cópia do plano integralista chega a Góis Monteiro, chefe do Estado Maior do Exército, através do general Álvaro Mariante, amigo de Olímpio Mourão. Nos bastidores do poder Vargas reclama que o Congresso Nacional não lhe dava apoio (em junho de 1937 negou a renovação do estado de guerra proposto por Vargas e que lhe dava amplos poderes), daí propõe a Eurico Dutra, seu ministro da Guerra, o golpe.

O Plano Cohen é compartilhado, em setembro de 1937, com a alta cúpula das Forças Armadas e não há qualquer questionamento quanto a veracidade do documento. Em 30 de setembro, o general Góis Monteiro lê no programa de rádio Hora do Brasil para toda nação o segundo capítulo do Plano Cohen, omite o primeiro capítulo que o descreve como uma ação teórica dos integralistas. O documento é reproduzido na imprensa nos dias seguintes, causando comoção nacional.

No Congresso Nacional, deputados pedem para ter mais dados da conspiração e analisar a cópia do Plano Cohen, recebem a recusa dos governistas que tal medida seria afrontar a honestidade das Forças Armadas. Com o clima de medo instaurado, o Congresso cede e aprova o estado de guerra solicitada.

Com amplos poderes, Vargas persegue os opositores, dentre eles, Flores da Cunha, governador do Rio Grande do Sul, defensor da descentralização dos poderes do governo federal. Dentre os acordos da encenação dar certo, Plínio Salgado apoia as medidas de Vargas com a promessa de fazer-se ministro de Estado.

 

"Quando aprofundamos a análise e ampliamos os estudos percebemos similaridades do passado com o presente que, enquanto estudiosos e cidadãos, devemos ficar atentos e conscientemente participativos dos caminhos que o Brasil teima ou não repetir." Sérgio Falcão, historiador

 

Em 10 de novembro, Getúlio Vargas autoriza as Forças Armadas cercarem e fechar o Congresso Nacional. No mesmo dia, faz pronunciamento nacional anunciando a nova Constituição brasileira, de cunho fascista, elaborado por Francisco Campos. Iniciava-se o Estado Novo, um dos períodos mais tenebrosos da História do Brasil, censura, suspensão da imunidade parlamentar, exílio, prisões indiscriminadas, torturas, pena de morte, extinção dos partidos políticos foram marcas do período que durou até 1945 quando Vargas foi destituído do poder pelos mesmos que o levaram em 1937.

Anos depois, após o fim do Estado Novo, quando exposta a falsidade do Plano Cohen, Olímpio Mourão tenta se eximir ao afirmar que apesar de saber da inverdade do documento não poderia quebrar a hierarquia militar.

Percebem alguma semelhança com o Brasil atual?

Distorção da realidade, ameaças imaginárias infundadas, “fake news” (notícia falsa), anulação ou eliminação dos opositores, politização e manipulação das Forças Armadas, censura, tolher a democrática liberdade de expressão são algumas das estratégias de manipulação que passeiam pela História do Brasil antigo e atual.

Quando aprofundamos a análise e ampliamos os estudos percebemos similaridades do passado com o presente que, enquanto estudiosos e cidadãos, devemos ficar atentos e conscientemente participativos dos caminhos que o Brasil teima ou não repetir.

Para finalizar, trecho da poesia de Caetano Veloso em “Podres Poderes” destaca o grande mal que teima em pairar sobre a América Latina:

“Será que nunca faremos senão confirmar
A incompetência da américa católica
Que sempre precisará de ridículos tiranos?
Será, será que será, que será, que será
Será que esta minha estúpida retórica
Terá que soar, terá que se ouvir por mais mil anos?”

Foto do Sérgio Falcão

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