
Historiador, pesquisador, escritor, editor do O POVO.Doc e ex-editor de Opinião do O POVO
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Fernanda Montenegro e Gilberto Gil ganham em março a “imortalidade” ao assumirem, respectivamente, as cadeiras 17 e 20 da Academia Brasileira de Letras (ABL). A chegada de artistas mundialmente consagrados na centenária “Casa de Machado de Assis”, em julho ABL completa 125 anos de existência, chama atenção por tratar-se de personalidades com inexpressiva presença na literatura.
Se o acesso dos novos imortais representa uma mudança conceitual na seleção dos novos membros, integrando outras artes ou aproveitar o prestígio dos personagens para uma lufada de popularidade de uma instituição distanciada dos brasileiros, só o tempo dirá. Entretanto, podemos considerar como sinalizador de novo direcionamento às academias literárias espalhadas no mundo o Prêmio Nobel de Literatura, em 2016, consagrar o multiartista norte-americano Bob Dylan.
Os critérios da escolha dos membros da ABL remontam sua fundação, Machado de Assis defendia a seleção restrita aos escritores, Joaquim Nabuco acreditava que deveria ser aberta às personalidades importantes do País. Ao longo da História se percebeu que, preponderantemente, a Academia foi representada por escritores, às vezes, não tão destacados, convivendo com a frequente presença de personagens com atuação para muito além das letras.
São exemplos de imortais de outros ramos da vida nacional, Getúlio Vargas, Aurélio de Lira Tavares, José Sarney, Fernando Henrique Cardoso, Marco Maciel, Lauro Müller, Ivo Pitanguy, Santos Dumont, Assis Chateaubriand, Roberto Marinho e Merval Pereira (atual presidente da ABL). Por outro lado, há reverenciados escritores da literatura brasileira não reconhecidos pelo ingresso na ABL, dentre eles, Lima Barreto, Monteiro Lobato, Carlos Drummond de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Graciliano Ramos, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Érico Veríssimo, Vinicius de Moraes, Mário Quintana e Paulo Leminski. Pedindo perdão pela franqueza, quem saiu perdendo foi a ABL.
O termo “panelinha”, pejorativamente associado atualmente à seleto, fechado e excludente grupo de pessoas/empresas, vem dos primórdios da ABL, quando seus fundadores em 1901 realizavam encontros culturais e literatura. Os convidados eram servidos em uma panela de prata, daí o grupo passou a ser chamado de “Panelinha de Prata”.
Fruto do amadurecimento, luta, engajamento, discussão e evolução, o século XXI reflete o necessário debate sobre a questão da representatividade. Em essência, o tempo demonstra que a ABL é lugar de homem e branco. Apenas em 1977, 80 anos após sua fundação, a primeira mulher – cearense Rachel de Queiroz - foi eleita para Academia, até então o acesso feminino fora proibido. Fernanda Montenegro tornar-se-á a nona mulher a ingressar na ABL.
Em 2018, a escritora negra Conceição Evaristo ganhou um voto na elevação do cineasta Cacá Diegues à imortalidade. Além da questão feminina, a não eleição de Conceição traz outra crise de diversidade, a presença negra no “Panteão das Letras”. Gilberto Gil será o quinto negro a ocupar uma cadeira na ABL, os anteriores foram: Machado de Assis, José do Patrocínio, Dom Silvério Gomes Pimenta, Domício Proença Filho.
Gil e Fernanda são merecedores de tal reconhecimento, esperemos que seja sinal de efetivo reposicionamento de uma instituição histórica e relevante para a cultura e a identidade da nação. Que a poesia de Gil na música Tempo rei represente os novos tempos - Tempo rei, ó, tempo rei, ó, tempo rei / Transformai as velhas formas do viver.
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