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A Orquídea de Drummond
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

A Orquídea de Drummond

No dia dezesseis de junho comemorei a marca de cinco anos como cronista do jornal O POVO. Até aqui celebro uma produção de aproximadamente duzentos e quarenta textos. Organizo tudo em um caderno com capa de tecido feito por um amigo querido, o Thiago. Anoto as datas, os títulos, os temas, ano a ano, pois nunca tirei férias e nem quero. Já faz parte da minha rotina sentar uma vez por semana para escrever o conjunto de quinhentas palavras que desenham uma janela imaginária na página do jornal.

É um gênero bonito, infinito e às vezes pouco compreendido na sua profundidade. Se eu ganhasse um real a cada vez que alguém me pergunta a diferença do conto para a crônica eu já teria dinheiro suficiente para comprar o casarão do Ramalhete em Portugal, aquele que inspirou "Os Maias" do Eça de Queiroz e que agora é da Madonna. Tenho me esforçado muito para responder. Devo confessar que depois de anos sendo leitora e autora de crônicas, de estudar tipologias textuais e de dar aula sobre isso, foi o meu aluno Renato ( marido do Thiago, o do caderno) que me disse a definição mais precisa do gênero: "a crônica é uma conversa".

A crônica somos eu e você, leitora e leitor, em um momento propício para se demorar comentando a vida. Escrevendo eu vejo as palavras, mudo de lugar, substituo uma ideia por outra, mas não deixa de ser sempre um sopro de pensamentos sobre a existência. Meu modus operandi é deixar que os temas se aproximem ao longo da semana. Em sete dias sou tocada por inúmeros acontecimentos, mas há sempre algum que salta na memória, especialmente nas primeiras horas do dia.

Pois na semana em que comemoro meus cinco anos de cronista, só consigo pensar em plantas e flores, só sei falar disso nas horas que sobram das obrigações. Estou cuidando de um pequeno jardim e no último mês tudo está florescendo. Minha árvore da felicidade está linda e imensa. Ganhou uma companheira, batizei o casal de Gales e João. De manhã cedo a casa fica tomada por seu cheirinho de restaurante japonês. Ganhei da Roberta um coração de Jesus, que batizei de Iracema e já pariu uma filha. O galho original foi fiel ao livro de Alencar e morreu depois do parto, mas a bebê passa bem.

Da espada de São Jorge brotaram novas lanças que protegem a porta de casa. E a jibóia, que estava quase morrendo, ganhou vida nova em um jarro de água. Ando me alegrando tanto com essa rotina de amar as plantas e conversar com elas que já ouso começar a cultivar orquídeas. Sempre achei que seria tarefa para jardineiros sofisticados, não para mim, mas agora quero aprender. Deve ser porque comecei a acreditar que as coisas inalcançáveis não são tão difíceis quanto a gente pensa.

Por coincidência, recebi uma crônica do meu mestre Carlos Drummond de Andrade, que começa assim: "entre as desesperanças da hora e a falta de melhores notícias, venho informar-lhes que nasceu uma orquídea". A arte é isso: essa orquídea nossa de cada dia, apesar dos tempos obscuros. Obrigada a todas e todos que abrem essa crônica-janela há cinco anos. Eu não te vejo, mas sei que você está aí.

Foto do Socorro Acioli

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