Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro
Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro
Nunca esqueci da história de uma mulher que trabalhava em uma biblioteca, criou quatro filhos e, nas horas vagas, escreveu um dicionário. Seu nome era María Moliner e o seu trabalho é reconhecido como um livro de consulta da língua espanhola tão bom quanto o da Real Academia. Gabriel García Márquez considerava ainda melhor. María Moliner dizia que preparou um dicionário para escritores, um livro de uso que não apenas diz o que as palavras significam, mas como usá-las, como transportá-las do papel para o estado de Literatura. É fascinante imaginar tantos anos dedicados a ordenar uma constelação.
O curioso é que nunca consegui comprar este dicionário. Sempre que tentei estava esgotado. Cheguei a encomendar uma edição eletrônica, ainda em CD, mas não funcionou e acabei não insistindo. Eu quero mesmo o livro, foi assim que María imaginou que ele existiria, dois tomos de um quilo e meio cada um, repousados nas mãos de quem ama as palavras tanto quanto ela amou. A relação entre leitores e livros também é urdida pelo acaso. Nossa hora chegará.
Lembrei de María Moliner quando comprei um dos livros preferidos do Chico Buarque. Ele conta que o amor começou quando seu pai, Sérgio Buarque de Hollanda, dias antes de morrer, chamou o filho em seu escritório e entregou o exemplar de capa preta dizendo que poderia ser útil. Era o "Dicionário de Ideias Afins" do Francisco Ferreira Azevedo.
Este livro é, na verdade, um thesaurus. Os dicionários convencionais arrumam os vocábulos em ordem alfabética e apresentam suas acepções, seus usos. O thesaurus é outra coisa, sua missão é agrupar as palavras por analogia, deixar juntas as que estão no mesmo campo de sentidos.
Fiquei encantada com os verbetes: ir-se às nuvens, mover o juízo de alguém, bordar comentários, acabar no céu a rotação dos astros. Um mar de ideias. Parece que mudei de país de repente, ali dentro eu estava desbravando novas terras, ganhando uma nova maneira de enxergar o mundo.
Entendi porque Chico Buarque ficou fascinado por esse objeto mágico, quase o "Livro de Areia" do Borges. Ele contou também que usou o thesaurus para escrever músicas e livros, até começar a esfarelar. Levou anos obcecado, andando de sebo em sebo e comprando os exemplares que resistiam. Virou mania, paixão. Comprou vários iguais, até que chegou uma nova edição brasileira e ele foi convidado para apresentá-la ao público em um inspirado prefácio. Ficou contrariado com a revelação do seu segredo: "sinto como se espalhassem aos ventos meu tesouro".
Perguntei ao thesaurus o que ele tem a me dizer sobre imaginação. Ele respondeu coisas bonitas como sonhada fantasia, ilusão de alma, frenesi, êxtase, miragem, páramos de sonhos. Sempre que sobra um tempo pergunto alguma coisa a ele, ou deixo que me diga ao acaso, como um oráculo. E funciona. Como bem disse Noemi Jaffe: tudo está nas palavras, inclusive eu e você.
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