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Os tsurus
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Os tsurus

Tipo Crônica

Recebi um presente intrigante na semana passada. Era um móbile com seis tsurus de origami. O cartão dizia que os tsurus atraem sorte, saúde e longevidade, desejava isso tudo para minha vida e era assinado por Regina Esteves. Minha querida amiga Regina tem mesmo o hábito de deixar presentes na minha portaria, desde o seu bolo de banana com farinha de amêndoas até placas de museus de arte, réplica de medalha de Nobel de Literatura, massa de modelar para minha filha, qualquer coisa bonita e divertida pode chegar pelas mãos dela a qualquer momento.

Escrevi imediatamente para agradecer, emocionada com sua gentileza, quando ela disse que não tinha deixado presente nenhum. Achei que era brincadeira dela, que também achou que era engano meu. Duvidou que no cartão estivesse escrito Regina Esteves. Mandei foto da assinatura e do presente, esse foi o maior golpe. Regina largou tudo que estava fazendo, estupefata. Contou que ela e seu marido, quando precisavam juntar dinheiro para casar no começo dos anos noventa, fizeram juntos uma remessa de móbiles de origami para vender.

Enquanto eu morria de rir e tomava notas do engodo ela tentava entender, assustadíssima. Parecia bruxaria, feitiçaria, piada, algo assim. Quanto mais ela contava, mais a situação se complicava. E, de tanto pensar, ela lembrou de um episódio que trouxe a chave para esclarecer o imbróglio.

Anos atrás, Regina pegou um avião para Portugal, terra do seu pai. Feliz da vida, procurou o assento e constatou que já havia alguém lá. Normal, costuma acontecer.

Chamou a comissária de bordo e relatou a duplicidade. A moça olhou a lista e disse: este assento é de Regina Esteves.

- Pois sim, meu nome é Regina Esteves.

- E o meu também, disse a senhora sentada.

A vida colocou duas Reginas Esteves lado a lado no mesmo avião. Conversaram o caminho inteiro. A partir de agora vou numerar as duas em ordem de entrada na minha vida. Regina 1 é a minha amiga de olhos verdes, que fala mais que o homem da cobra, dedica boa parte da vida a ajudar e fazer o bem a todos ao redor; mata todo mundo de rir e estuda a obra de Lauro de Oliveira Lima na Universidade de Lisboa.

A outra Regina Esteves eu conheci ano passado, em um seminário que organizei com a presença do escritor português Gonçalo M. Tavares. Ela é psicanalista, estava ali a convite de um amigo em comum, o Walmy. Ser psicanalista e ter este nome já me fez gostar muito dela, por motivos pessoais ligados a outra Regina que, pela Lei de Freud, não pode ser mencionada aqui.

Suas participações na aula foram inteligentes, elegantes e contundentes. Juntas, são as qualidades que mais admiro nas pessoas. Passei boa parte do seminário observando Regina Esteves 2. Que mulher tranquila. Quanta paz em uma pessoa só. Como deve ser viver assim, essa existência lúcida, profunda e pacífica? Observando palavras, construindo relações, morando na filosofia? Era perfeitamente possível imaginar Regina Esteves 2 fazendo os tsurus e ouvindo música clássica. Confirmei: foi mesmo ela que mandou o presente.

Preciso confessar que fui muito fã da Regina Duarte quando era criança, mas tudo acabou nos últimos meses. Não fez falta. Hoje eu tenho quatro Reginas para admirar, (porque ainda incluo a jornalista Regina Ribeiro na lista), cada uma mais rainha que a outra. Eu tenho sorte. E agora terei mais, porque ganhei tsurus.

Foto do Socorro Acioli

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