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Luz amarela
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Luz amarela

Tipo Crônica

Depois de dedicarmos algo em torno de quatro horas à leitura do livro "Para ler como um escritor", de Francine Prose, estivemos por mais dezesseis horas analisando as ideias e principais propostas deste livro. Falo no plural porque evoco o grupo de mais de cinquenta estudantes da Especialização em Escrita e Criação que coordeno na Universidade de Fortaleza. Foi uma construção coletiva de conhecimento, quase a soma de um dia inteiro, dividido em doses, concentrados em um volume de trezentas de dezenove páginas. Para dar a dimensão exata da viagem, uso números.

Fomos guiados na jornada pela professora Fabiane Secches, que conduziu as aulas com a calma necessária para desenvolver o pensamento profundo sobre ler devagar, ler com atenção ao que está sendo feito no texto. É a única maneira de entender, e nunca mais esquecer, a diferença entre Literatura e escrita de qualquer coisa; o que separa obra de arte da mera junção de palavras.

Harmonia perfeita entre forma e conteúdo: se o livro prega a ideia de desacelerar, foi oportuno ter a condução de Fabiane mostrando, na prática, como se faz. Não havia frieza na aula virtual porque o ambiente da professora estava iluminado por uma luz amarela, outonal, difusa pela cúpula de algodão claro. É preciso ter calma para vivenciar tudo que gira em torno do ofício da palavra, não é um território para impaciências. Um vizinho dela tocou saxofone em uma rua de São Paulo. Ouvimos no Ceará.

O método defendido é o do Close Reading, a Leitura Cerrada, atenta. O caminho passa pela observação das palavras, frases, depois parágrafos. Daí vamos ao entendimento das formas de narração, construção de personagens, diálogos, detalhes e gestos. O livro termina com uma entrevista da autora, Francine Prose, abrindo o coração sobre os anos de experiência ensinando escrita em universidades americanas. Gostaria de abraçá-la.

Ministro essa categoria de cursos desde 2009 e tenho muitas reflexões sobre o que pode acontecer a cada vez que alguém procura um método para aprender a escrever melhor. Renderia um livro inteiro de crônicas, pois existem alguns padrões que se repetem atravessando a porta. Francine Prose também tem um olhar agudo para esse universo, por isso a leitura do seu livro é muito importante para quem pensa em escrever.

O capítulo mais marcante, na minha opinião, é o que nos ensina a olhar para o detalhe na literatura. Não aqueles plantados artificialmente, os que o autor inclui no texto forçando uma simbologia que não tem causa nenhum impacto, como um mágico anunciando o engenho do truque antes do número. O detalhe que importa costuma ter um sentido profundo, é raro de conseguir, confere veracidade.

Uma das alunas mais brilhantes que já tive chama-se Camila Chaves. Um dos seus talentos é a atenção para o detalhe quando lê e quando escreve. Foi ela que indicou em aula um pequeno vídeo que edita a primeira e última cena de vários filmes, lado a lado, atentando para a importância de saber começar e terminar uma história. E foi ela também que lembrou uma frase do Todorov: "para construir uma trama, é preciso que o final tenha os mesmos termos do começo, se bem que numa relação modificada".

A trajetória entre o começo e o fim de qualquer coisa é mais bonita se for lenta, é mais forte se for observada pela beleza dos detalhes. Estudar literatura e ler com atenção, no fim das contas, é uma forma de aprender sobre a vida, enxergar o que há de belo entre nascer e morrer.

Foto do Socorro Acioli

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