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Resposta aos peixes
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Resposta aos peixes

Tipo Crônica

Pode ser só isso, um peixe mesmo. Há quem olhe e enxergue nada mais que um bicho. É a grande diferença entre umas pessoas e outras, essa capacidade de ver muito. Porque se um chinês pensa em uma carpa, por exemplo, vai lembrar dessa coisa bonita que chamamos de força e que a natureza nos concede sem cobrar nada. As carpas nadam contra a corrente e só sabem que são fortes porque a correnteza vem. A vida faz isso com todos nós, mas as carpas aprendem mais rápido. Os humanos reclamam, elas nadam impávidas.

Os chineses também acham que peixe é sorte, vitalidade, fertilidade, que podem ser afrodisíacos, que contém a seiva da vida, a energia de que todos precisamos para que as coisas sejam como o corpo exige. Existem muitos tipos e cores de seres nadantes, cada um com seu poder. Seria bonito se alguém escrevesse um Tratado sobre a sorte dos peixes, mas quem se dispõe ao risco de mergulhar profundamente nos dias de hoje? É mais seguro permanecer em águas rasas, eles dizem. E perdem todas as cores do fundo do mar.

Um peixe pode ser desenhado como o encontro de duas luas crescentes, dois sorrisos sobrepostos. O símbolo secreto dos primeiros cristãos, abraçados no mistério da imortalidade. Perseguidos, clandestinos e reunidos em segredo nas catacumbas porque adoravam àquele que não pode ser morto. Dois peixes alimentaram cinco mil pessoas, vocês lembram? Não há nada de absurdo nisso. Como diz Adília Lopes: há milagres, não há só truques.

Há uma associação de Peixes a Eros, a mitologia grega nos atravessa inevitavelmente. Eros é o menino-amor que nunca cresce, porque as leis dos adultos matam a paixão, sepultam sem piedade as brincadeiras de arco e flecha. Não sabemos muito sobre o amor dos peixes, eles devem fazer tudo escondido entre os corais. Alegria secreta.

Dia desses li um conto inacabado sobre uma moça que transforma nuvens em peixes vermelhos circundando a lua, que é distraída como quem nada e feliz como quem voa.

Abriga catástrofe e furacão, espera que a paixão ganhe a luta por nocaute enquanto é observada por um homem que solta nuvens de fumaça pela boca como se tudo ali fosse dele. Lá estão os peixes em outras circunstâncias: este conto é um pedaço de sonho, a cena recortada de um devaneio.

Desenhei quatro peixes na pele para sempre. Fiz do meu corpo uma praia, um lago, um rio, estão aqui a me atravessar. Sei que nadam enquanto eu durmo, fazem cócegas nos meus pés, mordiscam os calcanhares, deslizam dos ombros à ponta dos dedos, adivinham graças e carinhos. Os peixes são isso tudo: sorte, força, Jesus, sorriso, lua crescente, Eros, menino-amor, o signo inclemente das pessoas de corações expostos e desprotegidos, os magos do zodíaco.

Não gosto de aquários, ali eles me parecem encarcerados. Talvez peixes fracos precisem dessa segurança esterilizada, mas eu sou carpa. Gosto de quem é carpa, peixe-coragem, peixe-nuvem. A existência dos peixes é uma pergunta: você já aprendeu a mergulhar sem medo?

Foto do Socorro Acioli

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