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Observe o aquário
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Observe o aquário

Tipo Crônica

Foi Paul Klee quem disse isso: observe o aquário. Era um dos seus conselhos para jovens artistas. Quando dava aulas em sua casa levava os alunos para um aquário, pedia que observassem o peixe e tomassem notas. A ideia não era desenhar o peixe, mas entender que todo movimento é uma linha, um princípio. Sugeria que os alunos levassem suas linhas para passear, observassem os traços que contornam coisas, pessoas, paisagens e recriassem o mundo desenhando traços na imaginação.

Outro conselho importante que ele costumava oferecer nas aulas, na Bauhaus, era o da necessidade de estudar o sistema circulatório, os vasos e seus caminhos. Não só nos seres humanos, mas nos vegetais. A natureza foi sua fonte de inspiração não para uma arte figurativa, mas como a base determinante do movimento vital de criar.

Ele também sustentou uma ideia que chamou de binômio de conceitos: nada existe sem o seu oposto. Não existem conceitos, mas pares. Rende horas de filosofia. Luz e escuridão, som e silêncio, dia e noite, não e sim, já temos parte dessa ideia como certa. Mas há muito o que aprofundar. A partir disso o escritor italiano Gianni Rodari criou o binômio fantástico, um método que liberta a fantasia, solta a imaginação, afrouxa as engrenagens desacostumadas a inventar.

O principio do binômio fantástico é a mera junção de duas palavras que tem pouca ou nenhuma relação automática entre si. Elefante e relógio. Boneca e pneu de carro. Sereia e remédio. Estou fazendo isso no improviso, olhando as coisas ao meu redor. Certamente a prezada leitora e o estimado leitor estão fazendo o mesmo, assim espero, brincando de inventar.

A ideia de par de palavras já pode ser o começo de um exercício poético que talvez chegue a ser poema. "É necessária certa distância entre as duas palavras, é necessário que uma seja suficientemente estranha à outra e sua aproximação discretamente insólita, para que a imaginação se veja obrigada a instituir um parentesco entre elas, para criar um conjunto (fantástico) onde os dois elementos estranhos possam conviver".

As crianças pensam nisso o tempo todo. Pensam nas linhas quando desenham. Pensam no mistério das coisas que, para nós, já perdeu a graça. De vez em quando é bom lembrar que, alheia aos problemas da vida real, a circulação da seiva nas plantas continua mantendo a vida na Terra. Uma por uma. Arte e Literatura existem assim, nesse baile manso de nos levar de volta para o que é essencial.

Em resumo, a brincadeira do Gianni Rodari nos faz pensar em como são bonitas as coisas diferentes quando se aproximam. Parece a ordem dos jardins do Theatro José de Alencar, de Burle Marx: uma planta forte sempre perto de uma mais frágil. Ou, às vezes, dois jeitos diferentes de ser forte. Ao nosso redor as coisas distintas, quando juntas, formam o belo o tempo inteiro, mas não notamos. Precisa vir um artista pra alertar: observe o aquário. A junção das palavras. Aprenda forma eficaz de criar um par correto, aprenda a fugir do errado. Serve para tudo, para todas as situações. Quando o binômio dá certo (que sorte!) o fantástico da vida está salvo.

Foto do Socorro Acioli

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