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A tempestade
Foto de Socorro Acioli
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

A tempestade

Tipo Crônica

Ouvi falar pela primeira vez no Corona Vírus em fevereiro. Não imaginei que no final de abril eu estaria doente, que entraria para as estatísticas de infectados. É uma guerra de múltiplas trincheiras. Fiz questão de tornar público o resultado do meu exame nas redes sociais. Não ocupo nenhum cargo público, mas sei da responsabilidade de ter voz nesse mar de enganos. As pessoas precisam entender que a doença existe e é muito debilitante, mesmo em alguém forte e de boa saúde.

Recebi algumas vezes uma mensagem no WhatsApp ensinando a cura da Covid-19. Bastaria parar de dizer e digitar Corona Vírus e Covid-19 e mudar para outro mantra que o vírus perderia a força automaticamente. O nome disso é negação. É preocupante. Tem gente que não acredita na doença e isso é assustador. Tem gente dizendo que é invenção da mídia, que os caixões enterrados estão vazios, que não é verdade esse número de mortos, que é tudo bobagem e precisamos perder o medo, porque é só uma gripezinha.

Enquanto isso as pessoas estão morrendo sozinhas, sem direito às despedidas, ao conforto dos familiares e amigos, morrendo diariamente, com a perspectiva apavorante de que o número de mortos e contaminados aumente de forma desesperadora. Enquanto isso os profissionais de saúde estão trabalhando incansavelmente , tentando encontrar alternativas para tomar as decisões certas diante de uma doença que sequer tem documentação de referência suficiente.

Estar com Covid-19 é péssimo. Uma bomba relógio de quatorze dias, contando as horas para que passe logo sem deixar complicações, checando o oxigênio, a temperatura, afastando os pensamentos de morte que aparecem feito moscas.
Talvez essa seja a crônica mais difícil que escrevi porque não estou encontrando o lugar exato para virar a chave, dizer algo bom sobre isso, achar motivo, sentido, justificativa. Não tem. É um sofrimento coletivo, real, que precisa ser levado a sério. É a travessia de uma tempestade.

A máscara é uma das palavras mais mencionadas nesses tempos, aquela que protege nariz e boca do contágio. Há outra máscara, a que esconde a verdade das intenções e sentimentos das pessoas e está caindo por todos os lados. Não existe régua para medir sofrimento, mas talvez nós, brasileiros, estejamos mais desamparados e desesperados que outros países porque temos um presidente cruel – que diz em alto e bom som que não é coveiro e nem faz milagre.

Há um projeto comovente solicitando aos parentes e amigos dos mortos pela Covid-19 que cadastrem seus nomes, idades e um parágrafo sobre eles, para que os números virem pessoas. Que tenham identidade. Há muita mobilização para garantir comida e material de higiene para famílias em situação de risco. Há muita força de trabalho contínuo tentando levar informação correta e diminuir os efeitos nocivos das notícias erradas e da ignorância. Podemos fazer pouco, aos poucos, mas é nossa única salvação.

Foto do Socorro Acioli

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