Logo O POVO+
O conto dos três mestres
Foto de Socorro Acioli
clique para exibir bio do colunista

Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

O conto dos três mestres

Tipo Crônica

"Eu vou destruir o seu texto", disse o professor Eduardo Luz. E assim fez. Rabiscou tudo de vermelho, limpou as belezas, as metáforas, os perfumes de literatura que não cabiam em uma redação de vestibular. Destruiu e desmanchou meus textos várias e várias vezes até que eu consegui produzir uma página objetiva, clara e limpa e ganhei uma nota sensacional na redação. Foi assim que aprendi que escrever é comunicar. Ele me ensinou que é preciso prestar atenção no público receptor para que a palavra cumpra seu destino de ser palavra. E eu agradeço.

O professor Eduardo pediu que eu esquecesse aquilo tudo depois de aprovada e voltasse a escrever como antes, com liberdade e toda literatura possível. Talvez para aliviar tamanha destruição, ele me deu um livro de presente sem fazer a menor ideia de que me entregava a chave de um portal.

O livro era Cheiro de Goiaba, uma longa e detalhada entrevista com Gabriel García Márquez ao amigo Plínio Apuleyo Mendoza sobre toda sua vida, com atenção especial para a decisão de tornar-se escritor. A família queria que ele fosse advogado, mas ele queria escrever. A última tentativa de sua mãe para convencê-lo a retomar a faculdade de Direito acabou por ter força contrária. Ela inventou a desculpa de levá-lo a Aracataca para ajudar na venda da velha casa de seus avós. Foi nessa viagem que ele teve a iluminação inicial para escrever Cem Anos de Solidão, o livro que o consagrou como um dos escritores mais amados do mundo. E muito amado por mim.

"Seu texto vai para a lata do lixo", disse o professor Agostinho Gósson. Eu era estudante de jornalismo e errara feio na construção do lead. "Se quiser aprender como se faz um lead que preste, vá ler Crônica de uma morte anunciada do Gabriel García Márquez, faça outro texto e traga pra mim. Porque esse aqui vai pra lata do lixo". Saí da sala de aula, sentei em um banco da praça da Gentilândia e chorei por uma hora. Depois li o livro, fiz outro texto e ganhei um dez. Aprendi que para conseguir efeitos de maestria na escrita, eu devo procurar aprender com o melhor. E eu agradeço.

Quase dez anos depois, quando ganhei o Prêmio Jabuti de Literatura, o professor Agostinho me chamou para dar entrevista no seu programa na Rádio Universitária. Relembrei o texto na lata do lixo, do qual ele não se arrependia nem pouco. E por isso, meu Jabuti também era dele. Não vou esquecer nunca da sua risada solta e gostosa quando eu disse, ao vivo, que ele foi o único homem que me fez chorar em um banco de praça. Ganhei um abraço e a lembrança doce que guardarei com saudades.

"Prometa que nunca vai desistir. Prometa que vai até o fim", disse o professor Gabriel García Márquez. Era dezembro de 2006 e eu estava sentada em uma sala de aula na Escola de Cinema em Cuba, na condição de sua aluna. Aluna de um Prêmio Nobel. Aquele autor colombiano que aprendi a amar por causa do professor Eduardo, que reforcei a paixão com a dica do professor Agostinho, agora era meu mestre de carne e osso e me ensinou que vencer é persistir. E eu agradeço.

Sorte de quem sabe identificar um mestre e ouvir seus conselhos, mesmo se doer. Sorte de quem encontra alguém que aponta uma luz e mostra uma vereda, nessa aventura sem mapa que é a vida.

Foto do Socorro Acioli

Ôpa! Tenho mais informações pra você. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?