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Horóscopo
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Escritora e jornalista com doutorado em estudos da literatura pela Universidade Federal Fluminense. Ganhou o Prêmio Jabuti, na categoria de Literatura Infantil com o livro

Horóscopo

Tipo Crônica
Socorro Acioli, escritora. (foto: Tatiana Fortes/ O POVO) (Foto: Tatiana Fortes)
Foto: Tatiana Fortes Socorro Acioli, escritora. (foto: Tatiana Fortes/ O POVO)

O rapaz era daqueles estudantes de jornalismo que sonhava em mudar o mundo.

Não posso revelar sua identidade porque os fatos da sua vida envolvem muitas pessoas. Deixemos assim, o estudante de jornalismo. Na faculdade ele era um chato. Muito, muito chato. Ninguém era melhor que ele, nem os professores. Em geral era todo mundo burro, ele dizia, enquanto tomava café com leite com sua mãe orgulhosa.

Quando ele falava dos seus planos de trabalhar no maior jornal do País e depois no maior jornal do mundo, ela chorava. Tinha certeza de que iria acontecer, um rapaz tão preparado como ele já era um vencedor. E ele conseguiu mesmo. Foi aprovado no programa de jovens graduados em Jornalismo do maior jornal do País. Estagiário da editoria de política, cobrindo assuntos nacionais e estrangeiros. Participou do fechamento de capas históricas, acompanhou reuniões e decisões importantes sobre a posição editorial da casa, mas sempre calado. Nunca conseguiu dar opinião sobre nada.

Quando ligava para a mãe, chorando de ódio, dizia que o pessoal não gostava dele porque todo mundo morria de inveja. Nunca era convidado para a cerveja depois do expediente, para as festinhas. Inveja, inveja, inveja. O calado vence, meu filho, dizia a sua mãe. Você é sério, continue assim.

Mas chegou então o dia da tal reunião geral, com os estagiários todos e alguns jornalistas da casa. O diretor de redação contou que o astrólogo famoso que fazia o horóscopo do jornal desde sempre estava gravemente doente. Era um senhor idoso e não queria que sua situação fosse revelada até que ele encontrasse o seu discípulo. A solução seria destacar um dos estagiários para fazer o horóscopo até que a situação fosse resolvida definitivamente. O escolhido foi ele, nosso herói.

Claro que ele tentou argumentar que não tinha estudado tanto para fazer horóscopo, mas ninguém ouviu. Alguns estavam rindo, inclusive. Sua mãe ficou preocupada, talvez essa coisa de signos fosse demoníaca, sua vizinha disse. Se não topasse seria demitido do estágio. Beco sem saída.

Comprou livros de astrologia, estudou a posição das casas, a órbita dos planetas, a retrogradação, a importância do ascendente, o que indica a posição de Mercúrio, mas seu texto ficou complicado demais e os leitores reclamaram. E o editor comunicou isso na frente de todos. Dessa vez o riso foi geral e abertamente debochado.

Nosso herói tratou de descobrir o signo da redação inteira. Um por um. Fez um mapa na parede do quarto de pensão onde vivia. Tratou de saber as situações financeiras, familiares, amorosas dos piores inimigos de redação e manipulou o horóscopo. Ninguém acreditava naquilo, mas os leitores adoravam as previsões e ele ganhou respeito. Era tudo inventado, uma vingança detalhadamente arquitetada.

Da mesma forma, cuidou do signo das moças. Os astros indicavam que olhassem mais para quem estava bem perto. Seu jogo era certeiro, estratégias sofisticadas de manipulação. Foi contratado, com um bom salário. Muitos dos seus desafetos foram demitidos, aos poucos.

Parou de ligar para a mãe todos os dias. Tomou sua primeira cerveja. Deixou a barba crescer. Arranjou uma namorada: a estagiária de fotografia, uma pisciana besta de dar pena. Ele tinha certeza: seu horóscopo diário estava alterando a rota dos planetas. Claro que estava. O Céu reconhecia o seu valor.

 

Foto do Socorro Acioli

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