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O som que vinha da rua
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Tânia Alves é formada em jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Começou no O PCeará e Política. Foi ombudsman do ornal por três mandatos (2015, 2016 e 2017). Atualmente, é coordenadora de Jornalismo..

O som que vinha da rua

O saxofonista que tocava na minha rua trazia alento durante a pandemia. Ele migrou para outros lugares, foi agredido, mas sobreviveu. Que continue a tocar para permanecer encantando com a simplicidade de suas músicas

Nos dias em que vivíamos o pior momento da segunda onda da pandemia, uma música vinda de um saxofone enchia meu apartamento de esperança sempre por volta das 10 horas da manhã e no finalzinho da tarde. Naquele período em que o governador havia decretado lockdown em todo o Ceará, a gente pouco saia de casa e a janela era o nosso olhar para o mundo. Os acordes chegavam como uma distração, espantando o som de sirene das ambulâncias, que vez ou outra, passavam apressadas rumo a um hospital aqui perto da avenida Virgílio Távora, lembrando e relembrando que carregavam sofrimento causado pelo vírus.

O repertório do músico era sempre o mesmo. Passava por Fábio Júnior, músicas Gospel, daquelas que acalma o coração para quem tem fé. Lembro bem de uma delas: “Nossa Senhora, me dê a mão...”. Também recordo bem do Hino do Fortaleza. Na minha cabeça, imaginei que ele torcia pelo Leão mesmo que, às vezes, também ensaiasse algumas notas do hino do Vovô.

Quando a apresentação começava, eu ia para a janela para tentar vê-lo. Intimamente agradecia por ouvir aquelas melodias e me enchia de confiança por entender que havia solidariedade e gentileza no gesto, mesmo que fosse de alguém que estava em momento de aperreio. Foi importante presenciar de casa, ele sendo aplaudido por moradores de um prédio (que não era o meu) após tocar uma música lá em baixo e sair quase que dançando no meio da rua, acenando como forma de agradecimento.

Passado alguns dias, dei fé que o saxofonista não mais apareceu. Senti falta daquelas melodias. No início de setembro, tive notícias do músico. Havia sido espancado violentamente no Papicu num caso pouco explicada até hoje.

As cenas divulgadas pelas redes sociais eram de uma violência brutal. Fiquei em choque: como pessoas podem ser tão ruins com quem distribui músicas e arte pelas ruas? Será que a sensibilidade está morrendo nesses tempos tão difíceis? O alívio só veio quando soube que ele havia recebido alta do hospital e havia voltado para casa. Seja quem tenha sido que cuidou dele, estava no local certo e no momento certo, para que o saxofonista Valdy pudesse curar as feridas visíveis. Espero e rezo para que ele seja capaz de voltar a nos encantar com a simplicidade de suas músicas. 

Foto do Tânia Alves

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