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Frescando com a morte
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Jornalista, compositor, escritor, humorista, cantor e pesquisador da cultura popular. Escreveu várias composições em parceria com Falcão. É autor do livro

Tarcísio Matos arte e cultura

Frescando com a morte

Tipo Crônica

Mais duas lorotas que me conta o amigo Paraíba, alcunha de Stepherson Macedo Queiroz Jeireissati. A primeira: "Um caba lá da minha terra (Sousa-PB) por nome Gasparzão era desmantelado demais. Um dia sumiu, e tinha já uns 15 anos, sem que ninguém dele tivesse notícias. Supunham que houvesse batido a caçoleta pelaí. Por coincidência, na minha passagem por Sousa, que há tempos não revisitava, me encontro com um familiar dele, que me coloca ao corrente dos fatos.

- Gasparzão desapareceu faz tempo. E a mãe dele, tem três dias que morreu...

Lamentei e segui viagem. De Sousa, direto pro Recife, e de lá pra Catende, a 142km da capital. Ao chegar na dita cidade, qual a primeira cara que me aparece? Gasparzão, após 15 anos "desaparecido" e há 3 dias da mãe morta. Tava gordo e cevado. Quando me viu foi uma alegria só. Disse que eu era amigo dele, gente que Deus guarda. Mas fiquei constrangido em dar a notícia da morte da genitora dele, tão feliz que estava. Crei coragem, chamei-o a um canto e falei:

- Amigo, tenho uma coisa pra dizer e não sei como contar...

- Nada me esconda, Stpherson. Desembuche!

- Bem, hoje faz três dias que sua mãe morreu...

Garsparzão, do alto daa cara de pau...

- Que Deus se lembre da alma dela! Sim, Stepherson, mas me diga uma coisa: tu ainda conta muita mentira pro povo se abrir?

Sequer perguntou do que morrera a mãezinha."

A segunda: pegando o morto e segurando

"Morávamos num acampamento do Dnocs, em Sousa, que por esse tempo adquiriu uma ambulância e destacou papai como responsável pelo transporte dos doentes. Ainda novo nessa época, verminoso por direção, eu tirei a carteira de motorista já prevendo guiar aquele carro. Meu velho, com muita idade, nem pestanejava: me entregava a direção. Eu rezava para alguém adoecer.

Nesse acampamento tinha um sujeito muito bruto, Zé Januário, sogro do Sirineu, que estava então muito doente. Era preciso levá-lo pra Campina Grande. O sogrão veio pedir os préstimos de papai, que no ato falou: "A ambulância tá pronta pra viagem, o motorista é Stepherson. Pague a gasolina e tamo conversado!" Fui buscar o Sirineu. Januário botou a gasolina no tanque e o moribundo na ambulância, batendo a porta com tanta força que eu acho que o caba morreu ali. Januário vem na frente comigo.

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De Sousa para Campina Grande são 400 km; Patos fica a meio de caminho. Quando chegamos a Patos, paramos para tomar café. O velho desceu e nem aí pra ver como estava o genro lascado. Tomamos o café. Já nos preparando pra prosseguir viagem, resolvi dar uma olhada no doente. Sirineu estava com as unhas roxas, o pé bem geladinho, o olho meio aberto. Pensei: "Ele morreu! E agora? Como vou contar pra Zé Januário?". Criei coragem e despachei:

- Seu Zé, o Sirineu... morreu! Vamos voltar pra Sousa agora!

- Voltar? Não senhor! Já coloquei a gasolina, agora nós vamos até Campina.

Rodamos mais 200km com o cara morto no carro. Chegando a Campina Grande, e Januário foi fazer compras na feira. Ainda ponderei:

- Seu Zé, vamos ao menos passar um telegrama pra família, avisando.

E o velho, bruto que nem lixa número 2...

- Negativo! Vamos fazer uma surpresa!

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