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Lentamente
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Autora dos romances Turismo para cegos e Em plena luz, dentre outros títulos. É também fotógrafa e professora da Universidade Federal do Ceará. Adora gatos, viagens e acredita cada vez mais no poder da arte.

Lentamente

A pressa é inimiga da perfeição - mas lembramos que o provérbio ilustra não somente a ideia de atitudes afobadas, trabalhos feitos no último momento ou realizados sob urgência. O seu avesso aponta para o perfeito de um ritmo lento, que é a lição mais proveitosa.

Hoje várias iniciativas de consumo sustentável combatem o ritmo alucinado de uma produção que acumula e massifica - embora tal postura não seja invenção recente. Tendências contemporâneas na linha do minimalismo e da ecologia, por exemplo, podem vir sob um termo novo, um conceito cheio de carisma ideológico - mas uma pesquisa histórica mostra nossos ancestrais praticando justamente isso: lentidão, posse mínima de bens, processo artesanal no preparo de roupas, alimentos...

Claro, o contemporâneo cobra um comportamento rápido: toda mensagem deve ser recebida - e respondida - de imediato, o vídeo de divulgação não pode exceder um minuto, a encomenda vem na entrega-relâmpago... Sob o mesmo raciocínio, o carro tem de ser veloz; o sono, curto; as relações, fugazes. Nessa estrutura de pensamento, "quem é esperto não perde tempo". Mas para onde nos leva esse lucro, esse ganho de antecipações e superficialidades?

A lentidão é a estratégia dos sábios. Eu já suspeitava de seu poder por associar um ritmo lento à paz e, portanto, à felicidade (ambas parecem iguais, às vezes). Mas agora percebo como a recusa da rapidez favorece a observação que, por si, leva a um estado meditativo. Observar o próprio corpo, agir conforme suas demandas (de sono, apetite, humor) é deixar de vê-lo como máquina programada para funcionamentos específicos - e apressados.

Esse pensamento tão óbvio - de que o corpo é um organismo, um conjunto bioenergético sujeito a ciclos - é revolucionário, porque o capitalismo quer um corpo-engrenagem, adaptado para atingir metas produtivas. Porém, se pensarmos no indivíduo integrado à natureza, tudo se cura e pacifica, inclusive a ideia da velhice se transforma, vista como parte de um processo natural e, na verdade, abençoado, pois que nem todos chegam a ela.

A observação também guarda o segredo do tempo. Se estamos atentos, percebemos a vida acontecer, não somente deixamos que ela passe descontrolada por nós. E a vida parece querer ser observada, até: quando paramos para contemplá-la, instantaneamente ela se suaviza, fica menos dura ou absurda... já notaram?

Na arte, a observação é essencial - tanto para quem cria, quanto para quem recebe. Em processos terapêuticos, idem. Mas não se pode observar direito o que é veloz; em filmes de ação, o detalhe se perde, tudo se generaliza numa mancha confusa. O estresse acelera; a fuga, por ser um ato instantâneo, é superficial. Útil dentro de um mecanismo de sobrevivência, não deve durar, sob risco de sofrimento físico. A saúde, biologicamente, está associada ao relaxamento e ao descanso - que são também modos de observar.

Foto do Tércia Montenegro

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